30 de jun. de 2019

Neruda, Ode à Alcachofra




A alcachofra
de terno coração
vestiu-se de guerreiro, 
erecta, construiu
uma pequena cúpula,
mantendo-se oculta
debaixo das suas escamas,
em seu redor
loucos, os vegetais
eriçaram-se,
tornaram-se
em gavinhas, espadanas,
bolbos comoventes,
debaixo da terra
adormeceu a cenoura
de ruivos bigodes,
a videira
ressecou os rebentos
por onde sobe o vinho,
a couve
dedicou-se
aos cozidos,
o orégão
a perfumar o mundo,
e a doce 
alcachofra
ali na horta,
vestida de guerreiro,
orgulhosa
e luzidia
como uma romã,
um dia
em grandes cestos
de vime, juntamente
com outras, entrou
no mercado
para realizar o seu sonho:
a milícia.
Em fileiras 
nunca foi tão marcial
como na feira,
os homens
de camisas brancas
entre os legumes
eram 
marechais
das alcachofras,
as filas apertadas,
as vozes de comando,
e o estrondo
duma caixa caindo,
é então
que chega 
Maria
com o seu cesto,
escolhe
uma alcachofra,
não a receia,
examina-a, observa-a
contra a luz como se fosse um ovo,
compra-a, 
enfia-a no seu cesto
com um par de sapatos,
um repolho e uma
garrafa de vinagre
e logo
que entra na cozinha
afoga-a na panela.
Assim acaba 
em paz
esta carreira
do armado vegetal
que se chama alcachofra,
depois
escama a escama
a despimos
comendo
a pacífica, 
deliciosa polpa 
do seu verde coração.



entrada do museu do vaticano, representação da glândula pineal