8 de abr. de 2019

A Mão Negra


1914. Três clandestinos regressam à Bosnia, o seu país, no dia da Ascenção. Partiram 48 horas antes de Belgrado, capital da Sérvia, onde um pequeno empregado dos caminhos de ferro lhes preparou a expedição. 
De barco, subiram o Save, entre Belgrado e Shabats. A partir daí, seguindo ponto por ponto o plano que lhes foi confiado, apresentam-se a um major do exército sérvio, Popovic. Este fornece-lhes os bilhetes de caminho de ferro para a estação fronteiriça de Lozhinca, que separa a Sérvia na Bósnia desde a anexação, 6 anos antes desta última pelo império austro-húngaro. Popovic entrega-lhes também um sobrescrito contendo algumas palavras de recomendação para o capitão Prvanovic, chefe do posto fronteiriço sérvio, assim como falsos passaportes.
Em Lozhinca, reúne-se um conciliábulo, nessa tarde de primavera. Nenhum passo em falso é permitido. Trata-se de atravessar a fronteira, guardada por espiões que trabalham por conta de Viena. Na fornalha que são os Balcãs em 1914, as autoridades da Áustria-Hungria - chamam-lhe a "Dupla Monarquia" - espiam os mais pequenos movimentos desses irredentistas italianos, divididos entre si, mas para quem o ódio pelo austríaco é um denominador comum, e a liberdade tem um perfume de terrorismo.  O rancor, o espírito de vingança contra o austríaco, isto é, contra o germânico que tem sob seu domínio os eslavos do Sul, animam esses bósnios ortodoxos e católicos que, de ano a ano, vão buscar à Sérvia o seu fermento de nacionalismo e o seu ideal de um Estado pan-sérvio ou Jugoslavo, onde sérvios, croatas e eslovenos seriam um só povo. Tais são os sentimentos que animam os três clandestinos, três jovens bósnios de origem sérvia. 
Nedjelko Cabrinovic, estudante do liceu e depois tipógrafo, tem dezanove anos. Anarquista socialista, já fez passar para a Bósnia vários exemplares proibidos de Kropotkine, o teórico da anarquia. Gavrilo Princip é estudante de teórica no liceu de Belgrado, também com dezanove anos, e é nacionalista radical. Trifko Grabez, por fim, tem apenas dezoito anos.
No posto fronteiriço de Lozhinca, o capitão Prvanovic recebe-os em segredo. Na bagagem levam seis bombas, quatro revólveres, munições: nos bolsos, cápsulas de cianeto de potássio que eles e outros conjurados recrutados na Bósnia deverão engolir, quer tenham ou não cumprido a sua missão, de preferência a serem presos e fazerem confissões às autoridades austro-húngaras. O capitão convoca três sargentos da guarda fronteiriça sérvia e pergunta-lhes qual é o posto mais seguro para passar para a Bósnia sem se fazer notar pelos austríacos. Para Princip e Grabez, será Gribic. Para Cabrinovic, será Zvornik, onde um agente de recepção lhes facilita a passagem.
Princip e Grabez transportam as bombas, os revólveres, as munições. Utilizam aquilo que os terroristas sérvios chamam "o túnel", isto é, pontos de passagem seguros onde homens de confiança os guiam e ajudam. 
Os dois estudantes atravessam o Drina e são confiados a a um camponês que os alberga por essa noite. No dia seguinte, entregam-se outra vez à condução dos passadores.  Um pastor,  através de pântanos e de trilhos de montanha, leva-os até Priboj. Local de encontro: o domicilio do professor primário Cubrilovic, que, de carroça, os transporta até Tuzia.  Passam a noite em casa de um director de cinema, onde abandonam as armas, que um outro conjurado, o professor primário Ilic, irá buscar uns dias mais tarde. As bombas, as armas, os conjurados, não tardam a estar prontos, no local de encontro, em Sarajevo.
Há mais de quinze anos, uma situação explosiva reina nos Balcãs. A Sérvia, no decurso dos últimos quarenta anos, passou sucessivamente do estatuto de principado dependente do Império Otomano ao de reino, de Estado semi-soberano ao de Estado soberano. Restam os seus vizinhos. Continua encaixada entre dois impérios que se desmoronam. De um lado, a Dupla Monarquia, ou seja, o Império austro-húngaro, dos Hasburg. Do outro, os Turcos, que detiveram, durante cinco séculos, uma península que vai de Belgrado ao Peloponeso, actualmente a Albânia, a Macedónia e Salónica, as duas Trácias e Andrinópoles, Istambul e os Estreitos. Entre eles, nacionalistas, desejosos de liberdade contra este duplo jugo austríaco e turco: sérvios, croatas e eslovenos, gregos, albaneses e búlgaros, ou que não querem voltar a cair sob o domínio de um nem de outro. Mexa-se um peão neste tabuleiro de xadrez e logo as grandes potências estão prontas a intervir. A Rússia, para defender os sérvios da Sérvia e da Bósnia, os eslavos do Sul, seus irmãos de raça, com os olhos postos nos Estreitos; a Dupla Monarquia, para desmantelar esta Sérvia que propaga ideais pan-eslavos entre os seus vassalos, o Imperador da Alemanha, aliado dos Turcos e dos Austro-Húngaros; a Itália, por fim, que tenta libertar-se da aliança austro-alemã.
Muito se falou do imbróglio balcânico. Na verdade, se é complicado, tratar-se-á mais exactamente da complexidade do engenho explosivo retardado, que desencadeará um dia, agora próximo, o sistema de relojoaria de uma explosão geral.
Nem as grandes potências, nem os Estados balcânicos podem, por temos de um conflito generalizado, tomar a iniciativa de uma acção de envergadura. Por outro lado, neste quebra-cabeças de interesses extraordinariamente intrincados basta uma tentativa regional ou um incidente para que cada um dos parceiros ensaie este cenário de grandes espectáculos que terá o nome de "primeira guerra mundial". A cada crise, em 1908, em 1912, como em 1913, roça-se a catástrofe, ao passo que conflitos locais e conjuras se sucedem. 
1903, Belgrado. Rebenta uma conjura militar. Os oficiais conspiradores nacionalistas revoltam-se contra o rei da Sérvia, um Obrenovitch - o último - que reina sob o nome de Alexandre e cedeu os direitos a troca de sal, de tabaco, de administração dos caminhos de ferro, aos bancos imperiais austríacos. O domínio de Viena é absolutamente insuportável. O cérebro da conjura é um coronel... Dragutin Dimitrijevic, conhecido pelo nome de Ápis. Na noite de 10 de junho de 1903, os conjuradores, conduzidos por Ápis, cercam o Palácio Real, degolam as sentinelas, rebentam as portas com dinamite e assassinam com golpes de sabre a família real, Alexandre e a rainha Drag, Antes de os atirar por uma janela, o tenente Ápis, Tankosic, degola os dois irmãos da rainha e a maior parte dos cortesãos surpreendidos no palácio. Atingido por várias balas, Ápis é dado como morto. Sobrevive e, enquanto os conspiradores chamam ao trono Pedro Karageorgevitch, que se torna Pedro I da Sérvia, o coronal Ápis recebe o título de "salvador da pátria". O seu sonhos, fundar a Jugoslávia sob a égide sérvia.
24 de julho de 1908. revolução em Constantinopla. O sultão Abd-ul Hamid é deposto: o poder cai nas mãos de um grupo de jovens oficiais que pretende ocidentalizar a Turquia. A Bulgária, até então tributária da Turquia, proclama-se independente e o príncipe Fernando toma o título de Czar dos búlgaros. Um vento de guerra sopra sob os Balcãs. 
5 de outubro de 1908. A Áustria-Hungria decide anexar pura e simplesmente a Bósnia-Herzegovina, sob a sua protecção desde 1878 (nomeadamente turca e confinada ao congresso de Berlim à "administração de Viena"). A decisão provoca a cólera nas duas províncias onde sérvios e croatas, muçulmanos e italianos, suportavam já muito mal a ocupação austro-húngara. De Belgrado, os sérvios fazem apelo aos russos. Os austríacos apoiam-se na Alemanha. Na Bósnia, sucedem-se os actos de terrorismo contra os fantoches da administração austro-húngara. Leis de excepção vêm acalmar os terroristas e tentar dividi-los. Em S. Petersburgo, o embaixador da Alemanha dá a entender ao Czar Nicolau II que é preciso reconhecer a anexação das duas províncias. Caso contrário, a Áustria agirá directamente na Sérvia e será a guerra. S. Petersburgo cede. Princip, Cabrinovic, Grabez, tem então doze anos. Como todos os liceais bósnios, sentem crescer o ódio contra o ocupante austríaco. A Sérvia teve de aceitar. O coronel Ápis, em Belgrado, agora chefe dos gabinetes de informações do exército, bem como vários outros militares, aguardam a sua hora.
17 de outubro de 1912. Rebenta a primeira guerra balcânica. Pedro, da Sérvia, aliou-se ao Czar Fernando, a Bulgária, e a Venizelos, que governa a Grécia - cujo rei soberano é o rei Constantino, cunhado de Guilherme II - para atacar os turvos, cujas atrocidades cometidas por Bachi Buzuks, horrorizaram a opinião pública europeia. Os sérvios tomam Monastir; os gregos apoderam-se de Salónica, os búlgaros marcham sobre Andrinópoles, mas são batidos. Fernando assina o armistício. A Áustria mobilizou imediatamente 150 000 homens, faz da Albânia um Estado independente, oferecendo a coroa do pais a um aristocrata alemão, o príncipe de Wied, e tenta colocar o rei de Montenegro, sogro do rei da Itália Victor-Emanuel III, contra Pedro I da Sérvia. Guilherme II promete o seu apoio à Áustria-Hungria. A França afirma que respeitará o seu tratado de aliança contra a Rússia. A Itália, que não deseja ver os sérvios no Adriático, anuncia em Paris que apoiará a Dupla Monarquia através de uma intervenção armada. Armistício, hostilidades, que recomeçam em fevereiro de 1913, suspensão de hostilidades a 16 de abril: a Turquia cede aos aliados balcânicos todos os territórios situados a oeste da linha Enos-Midia e Creta. Evitou-se a 30 de maio, nos preliminares de Londres, a primeira guerra mundial.
O fogo reacendeu-se um vez mais 26 dias depois. Sérvios e Búlgaros não estão de acordo quanto às partilhas dos restos do Império Otomano. A 26 de junho de 1913, abrem-se as hostilidades entre os aliados balcânicos de pouco antes. A Bulgária ataca a Sérvia. Os gregos intervêm junto dos sérvios. Os turcos, na esperança de uma desforra, preparam-se para declarar guerra à Bulgária. A despeito dos conselhos de Viena, a Roménia entra por sua vez em conflito, contra os Búlgaros. A Áustria-Hungria "ante o reforço desmedido do reino Sérvio, prepara-se para intervir activamente".
Face aos russos e aos seus aliados, os franceses, os co-signatários da tripla aliança - Alemanha, Áustria-Hungria, Itália, erguem-se em pé de guerra. A 10 de agosto, é assinada a paz de Bucareste, que consagra a derrota dos Búlgaros. Com os restos do Império Otomano, os Búlgaros vêem apesar disso a sua população aumentada de 400 000 habitantes. A Sérvia ganha 1 200 000; a Grécia, 1 600 000, com Salónica.  Mas os turcos conservam Andrinópoles.
A crise balcânica, nos primeiros meses de 1914, parece de momento bloqueada, e travada a engrenagem de um conflito generalizado. Mas, fora das chancelarias, dos governos, acumulou-se pouco a pouco um clima excessivamente apaixonado, clima que encontra o seu catalizador em hierarquias paralelas, ignoradas pelas autoridades e de acção incontrolável. 
Tal é o caso de Belgrado. As sociedades secretas pululam. No restaurante Kalaraz, em torno do coronel Ápis e do tenente Tankosic, agora major, encontram-se os oficiais que urdiram e levaram a cabo o assassinato do rei Alexandre, colocando-o no trono de Pedro I. Para eles, a subida ao trono de um Karageorgevitch é apenas um primeiro passo. A fundação da Jugoslávia, sob a égide sérvia, continua a ser o objectivo final. Mas esta fundação terá fatalmente de ser precedida por uma revolução interior... ou por uma guerra...
Tankosic, pelo seu lado, conspira. Sanguíneo, violento, homem de mão e de sangue, conspirar, para ele, é formar bandos de comitadjis - partidários nacionalistas - na Alta-Macedónia, para combates corpo a corpo com os soldados turcos, excitar a armar os croatas e os bósnios para inflamar liceais e universitários, dispersar sobre os governantes e altos funcionários colocados pelo ocupante austríaco.
Nos pequenos cafés de Belgrado que se abrem sobre a Skarfalija, sobre a Makidonska Vlida, sobre o Ring, nas antejolas que Tankosic frequenta, reúnem-se croatas, bósnios, homens de Banat de Priled, de Monastir, de Uskub, que vão lá procurar, além de boas palavras, ordens, por vezes até armas, e em todo o caso um ar de liberdade. Bebe-se, fala-se em voz baixa, conspira-se.
Princip e Cabrinovic encntram-se em Belgrado pouco antes da Páscoa de 1914. Tinham encontros com outros estudantes bósnios, com exilados, com comitadjis, e com um certo grupo de oficiais sérvios, no café Zirovni Vijenac, no Pazorisma e no café Amerika. Operários, estudantes, "comandos", militares, toda uma fauna de horizontes políticos muito diversos, que se encontra nestes cafés e nestes antejolas de Belgrado: desde os anarquistas aos partidários do rei Pedro I da Sérvia, dos nacionalistas aos ideais cosmopolitas. Em todo o caso, clientes sonhados por Tankosic. Os bósnios, anexados pela Áustria desde 1908, voltam-se para os seus irmãos de raça, eslavos como eles, os sérvios. E os espíritos aquecem-se, após duas crises balcânicas seguidas, com a leitura de jornais nacionalistas, Politika, Pradva, Balkan, e de uma revista, Piemonte, órgão de uma sociedade ultra-secreta, a Mão Negra, cujos responsáveis muito poucos conhecem, e entre esses poucos não se contam, em todo o caso, os membros do governo de rei Pedro I da Sérvia.
Muitos desses assíduos frequentadores de café militam, desde outubro de 1908, nas fileiras de uma outra sociedade, também ela secreta e extremamente poderosa: a Narodna Odbrana (A Defesa da Nação).
Os objectivos da sociedade secreta Narodna Odbrana são precisos: recrutar um certo número de homens seguros e dedicados à causa nacional com vista à preparação da guerra contra a Áustria. A sociedade não tarda a contar com mais de 220 secções, ou comités locais. Mas quando, em 1909, pressionada pelas grandes potências, a Sérvia se vê obrigada (face à anexação da Bósnia Herzegovina pela Áustria-Hungria) a renunciar a qualquer intervenção e a reconhecer o carácter internacional da questão, a Narodna Odbrana, sociedade até então terrorista, abdica dos seus ideais e consagra-se, de momento, "à promoção económica e intelectual da população sérvia", continuando todavia a preparar a "unidade nacional". É verdadeiramente muito pouco para os terroristas e os activistas, que sonham com a luta contra os austríacos.
Tankosic e Ápis procuram outros meios de acção. O cônsul Bogdan Radenkovic fornece-lhe a ideia: no decurso de uma jantar no salão particular do hotel Moscovo, lança a ideia de reconstituir na Sérvia a Carbonária, uma dessas sociedades secretas que enxamearam a Europa no século anterior. Sociedade secreta, cenário, ritos, Radenkovic é sensível a todos esses detalhes: um romântico... ainda que um bom psicólogo. De acordo com Tankosic, Ápis e outros quatro - sete homens ao todo - funda a sociedade secreta com que sonhava desde maio de 1911. "A União ou a Morte". Mais tarde, será conhecida por "Mão Negra". Ápis toma rapidamente a direcção da organização.
Professor de táctica, oficial de informações, o coronel Dragutin Dimitrijevic é na altura chefe do Gabinete de Informações do exército sérvio. Grande, largo de ombros, silencioso, de olhar duro e fixo, sabe tomar atitudes. A sua fama como chefe da conjura de 1903 (chamam-lhe o matador de Reis), impõem-no aos jovens oficiais. É um homem de sombras e de mistério, de marcas e de pseudónimos, que gosta de puxar os cordelinhos escondidos nos bastidores.
A " Mão Negra" fixa a si mesma um objectivo: a libertação dos sérvios que continuam sob o domínio estrangeiro, e o estabelecimento de uma Federação de Eslavos do Sul, tendo como motor o reino da Sérvia. É dirigida por uma comissão de seis membros: três militares e três civis. É composta por células de três elementos cada uma. Nela encontram-se, indiferentemente, sérvios, croatas, muçulmanos. Quando um membro consegue recrutar novos adeptos, forma com eles uma nova célula. Mas nenhum membro, salvo os que constituem o Comité Central, conhece quaisquer outros filiados, a não ser os dois que acaba de agregar e os dois que abandona. Deste modo, fugas e traições são rapidamente estancadas, e o carácter ultra-secreto da seita mantido. Cada membro é, em principio, designado por um número. Só o Comité Central possui uma lista nominativa dos adeptos, ainda que os membros não súbditos do reino da Sérvia só se encontrem inscritos nessa lista pelo seu número.  Todos devem obedecer cegamente às ordens superiores, todo o traidor é punido com a morte. 
Os fundadores das células colocam-se naturalmente à cabeça delas, recebem instruções, transmitem informações, asseguram os contacto entre os filiados e o Comité Central. O seio da sociedade secreta mostra um punho fechado empunhando uma bandeira que ostenta uma caveira, duas tíbias cruzadas, uma bomba, um punhal, e uma frasco de veneno. O recrutamento compete a Tankosic e a Radenkovic, sob a direcção de Ápis., que, devido às suas funções oficiais, dispõe de um enorme ficheiro. A Yovanovic, editor do jornal Piemonte (aos olhos da Mão Negra, a Sérvia terá o Piemonte da futura Jugoslávia), compete o cuidado de redigir os estatutos. Os membros do Comité Central encontram-se na redacção do jornal Piemonte, mas deliberam quotidianamente num apartamento da rua de Knaz Mihajlo, no coração de Belgrado.
Dispondo de cumplicidade no exército, a inteligentsia, entre certos notáveis, a Mano Negra estende pouco a pouco as suas malhas. A coroa e o governo sérvio do radical Pachitch ignoram até a sua existência. Em 1914, Ápis dispõe de uma organização com vários milhares de membros, cuidadosamente recrutados. Poder-se-ia objectar: e o dinheiro? No seu posto, Ápis, chefe do Gabinete de Informações do Exército Sérvio, dispõe - oficialmente - de dinheiro, de espiões, que utiliza para seus fins - a Mão Negra -  sem ter por seu lado que desembolsar um centavo. Bombas e revólveres são fáceis de encontrar, pois basta ir buscá-los aos arsenais onde se abastecem os comitadjis. Os voluntários, estudantes ou trabalhadores, patriotas ou anarquistas, vindos de terras ocupadas pela Áustria, não faltam e pedem muito pouco dinheiro para agir. Com cumplicidade no exército, aprendem o manejo de armas e de bombas no polígono de manobras militar... a poucos quilómetros de Belgrado... Como aprenderiam - oficialmente desta vez - os voluntários para a guerra dos aliados balcânicos contra os turcos, dois anos antes.
No interior, isto é, na Sérvia, o coronel Ápis dispõe de agentes que controlam todo o reino. Desejoso de estender ainda mais a sua influencia, procura introduzir-se na Narodna Odbrana que deixou, como vimos, de ser uma sociedade propriamente terrorista desde 1903. A sua ambição seria controlá-la, como já controla o círculo de oficiais conspiradores de 1903 e a Mão Negra. Se a Narodna Odbrana reprova hoje o terrorismo, porque não imiscuir-se nela e tomar-lhe o controle? Ápis introduz nas fileiras da organização um dos seus amigos: o major Milan Vasic, chefe dos comitadjis. Infelizmente, no decurso da guerra de 1912, Vasic é morto e Ápis perde um instrumento de primeira água. 
No exterior, os homens da Mão Negra estão presentes em todos os territórios onde habitem eslavos do Sul. Na Bósnia, a alma da Mão Negra chama-se Vladimir Gatchinovic. Em Lausana, onde estuda, este último estabeleceu uma relação com dois emirados russos: Trotski e Lunartcharski, que são na altura agitadores russos no exílio, desconhecidos ou pouco conhecidos. Trotski troça frequentemente do seu amigo sérvio "demasiado infectado, para seu gosto, de romanticismo revolucionário".
Assim, no território austro-húngaro, a Mão Negra tem pontos de apoio seguros: Sarajevo, Agram (hoje Zagreb) e por fim Spalato (hoje Split), formigam de conspiradores, de fanáticos. Os mais violentos são os estudantes, os colegiais. Formam grupos revolucionários, por vezes muito reduzidos, onde todos se exaltam até ao delírio. Jovens que comem mal e se reúnem entre cafés turcos e copos de raki. Nacionalistas ou anarquistas, todos eles estão desejosos de acção directa. Acreditam que só poderão impor-se pelo terror. O revólver e a bomba são os argumentos aos seus olhos decisivos. Exactamente o que interessa ao coronel Ápis. De vez em quando, entre duas estadias em Lausana,    Vladimir Gatchinovic surge em Sarajevo para inflamar os seus camaradas. Há também Danilo Ilic, professor primário, fanático e anarquista como Gatchinovic. Princip, que, sendo mais jovem não tem ainda um só combate no activo; Oscar Rataglia, de Spalato, traz, a este meio singularmente agitado, influência do elemento latino e católico. Se a maioria destes jovens não figuram das suas listas, constituem, em todo o caso, os homens da acção, sempre disponíveis na Mão Negra.
Não se passa um mês sem que a juventude universitária de Agram desça à rua, não se passa um trimestre sem que as escolas secundárias da Croácia, da Dalmácia e da Bósnia façam greve.
Ápis, escondido atrás de toda essa agitação, recebe os estudantes, a aceita os mais ardentes na Mão Negra, fornece-lhes armas, tudo isto muito antes de 1914. O atentado perpertrado em 1912 por Jukic contra Cujav, um pro-austríaco que se comissário do governo em Agram, foi "aprovado" por Ápis, tendo o futuro assassino sido amestrado no manejo do revólver e da bomba por Tankosic. Depois é a vez de Skerlec estar prestes a ser assassinado, na Bósnia, por outros grupos terroristas. 
Os assassinos brotam da terra. O general Potiorek, governador da Bósnia desde a anexação austríaca, tem a morte colada aos calcanhares e sabe-o perfeitamente. No entanto, os governos de Viena e de Budapeste acreditam tratar-se de acções isoladas, ou, quando muito, de movimentos universitários. Ignoram, claro, a acção da Mão Negra. E os políticos sérvios não sabem muito mais. O segredo é admiravelmente mantido.



Fonte: História do Ocultismo, Seitas e Sociedades Secretas, Bernard Michal, Jean Renald