28 de set. de 2012

Neruda, Ode à Vida (Chopin, Tristesse)






Toda a noite
com um machado
a dor me feriu,
mas o sonho
passando lavou como uma escura água
ensanguentadas pedras.
Hoje estou vivo novamente.
De novo
te levanto,
vida,
sobre os meus ombros.

Ò vida,
taça cristalina,
de súbito
enches-te
de água suja,
de vinho morto,
de agonia, de desgraças,
de pegajosas teias de aranha, 
e muitos crêem 
que guardarás para sempre
essa cor infernal.

Não é verdade.

Uma noite lenta passa,
passa um só minuto
e tudo muda.
Enche-se 
de transparência
a taça da vida.
Um longo trabalho 
nos espera.
De um só golpe nascem as pombas.
Se engendra a luz sobre a terra.
Vida, os pobres
poetas
julgaram-te amarga,
não saíram da cama
contigo
com o vento do mundo.

Sofreram os amargores 
sem te procurar,
barricaram-se
num negro tugúrio
e foram-se atolando
no luto
dum solitário poço.
Não é verdade, vida,
és
bela
como a minha amada
e tens entre os seios 
o odor a menta.

Vida
és uma máquina plena,
felicidade, rumor
de tempestade, ternura
de delicado azeite.

Vida,
és como uma vinha:
ameaças a luz e reparte-la
em cacho transformada.

Aquele que te renega
que espere 
um minuto, uma noite, 
um ano curto ou longo,
que saia 
da sua mentirosa solidão,
que indague e lute, junte
as suas mãos a outras mãos,
que não adopte nem proclame
a má-sorte,
que a estilhace dando-lhe
forma de muro,
como à pedra fazem os canteiros,
que a corte
e dela faça 
umas calças.
A vida espera 
todos aqueles
que amam
o selvagem
odor a mar e a menta
que ela tem entre os seios.