25 de set. de 2012

Neruda, Ode ao Passado (Chopin, Raindrop Prélude)








Hoje, em conversa,
Como que saído da origem,
veio à baila
o passado,
o meu passado.
As pequenas
coisas sujas
atenuadas,
episódios vazios,
negra farinha,
pó.
Agachas-te
suavemente
dobrado
sobre ti mesmo,
sorris,
eleges-te,
mas
se é de outro
que se trata, de um teu amigo,
ou de um teu inimigo,
então
tornas-te desapiedado,
franzes o cenho:
Que coisas fez este homem!
Essa mulher, que coisas
fez!
Tapas
o nariz,
vê-se que
o passado dos outros
te desagrada muito.
Do nosso olhamos
com nostalgia
os piores dias,
abrimos
com precaução o cofre
e embandeiramos
a proeza,
para que nos admirem.
Esqueçamos o resto.
Não passa de má recordação.
Escuta, aprende:
O tempo
divide-se
em dois rios:
um
corre para trás, devora
o que vives,
o outro
vai contigo adiante
vasculhando
a tua vida.
Num só minuto
se juntaram.
É este.
Este é o momento,
a gota dum instante
que arrastará o passado.
É o presente.
Está nas tuas mãos.
Rápido, resvalando,
cai como uma cascata.
Mas és senhor dele.
Engendra-o
com amor, com tenacidade,
com pedra e asa,
com rectidão
sonora,
com puros cereais,
com o metal mais claro
do teu peito,
caminhando
ao meio-dia,
sem recear
a verdade, o bem, a justiça,
companheiros de canto,
o tempo que transcorre
terá forma
e som
de guitarra,
e quando quiseres
debruçar-te sobre o passado,
a nascente cristalina
do tempo
revelará a tua integridade cantando.
O tempo é alegria.