24 de fev. de 2011

O Simbolismo na pintura e na poesia

O simbolismo foi um movimento da pintura europeia nas últimas décadas do Séc. XIX e possui uma estreita ligação com o movimento poético simbolista. Rejeitava as formas naturalistas e realistas e o conceito de que a arte poderia apenas ser  produzida através de imagens não abstractas que representassem com fidelidade o mundo real. O simbolismo nas artes plásticas, tal como na poesia, apresentava um forte misticismo e inúmeras referências ao oculto, e pretendia aproximar o mundo material do mundo espiritual. Os pintores deveriam expressar, através de imagens, esses temas e essa visão de mundo; usavam basicamente cores e linhas, que eram entendidos como elementos extremamente expressivos que por si só poderiam representar ideias. Confiavam mais na simples sugestão de algo do que na sua forma explícita. A inspiração temática simbolista provinha das poesias do movimento, para além de temas como a morte, a doença, o erotismo, os sonhos ou até a mesmo a perversidade.






A Serpente que Dança, Baudelaire

Em teu corpo, lânguida amante,
Me apraz contemplar,
Como um tecido vacilante,
A pele a faiscar.

Em tua fluida cabeleira
De ácidos perfumes,
Onda olorosa e aventureira
De azulados gumes,

Como um navio que amanhece
Mal desponta o vento,
Minha alma em sonho se oferece
Rumo ao firmamento.

Teus olhos, que jamais traduzem
Rancor ou doçura,
São jóias frias onde luzem
O ouro e a gema impura.

Ao ver-te a cadência indolente,
Bela de exaustão,
Dir-se-á que dança uma serpente
No alto de um bastão.

Ébria de preguiça infinita,
A fronte de infanta
Se inclina vagarosa e imita
A de uma elefanta.

E teu corpo pende e se aguça
Como escuna esguia,
Que às praias toca e se debruça
Sobre a espuma fria.

Qual uma inflada vaga oriunda
Dos gelos frementes,
Quando a água em tua boca inunda
A arcada dos dentes,

Bebo de um vinho que me infunde
Amargura e calma,
Um líquido céu que difunde
Astros em minha alma!






O Gato, Baudelaire
 I
Dentro em meu cérebro vai e vem
Como se a sua casa fosse
Um belo gato, forte e doce.
Quando ele mia, mal a quem

Lhe ouça o fugaz timbre discreto;
Seja serena ou iracunda,
Soa-lhe a voz rica e profunda.
Eis seu encanto mais secreto.

Essa voz que se infiltra e afina
Em meu recesso mais umbroso
Me enche qual verso numeroso
E como um filtro me ilumina.

Os piores males ele embala
E os êxtases todos oferta;
Para enunciar a frase certa,
Não é com palavras que fala.

Não, não existe arco que morda
Meu coração, nobre instrumento,
Ou faça com tal sentimento
Vibrar-lhe a mais sensível corda

Que a tua voz, ó misterioso
Gato de místico veludo,
Em que, como um anjo, tudo
É tão sutil quanto gracioso!

II
De seu pêlo louro e tostado
Um perfume tão doce flui
Que uma noite, ao mima-lo, fui
Por seu aroma embalsamado.

É a alma familiar da morada;
Ele julga, inspira, demarca
Tudo o que seu império abarca;
Será um deus, será uma fada?

Se neste gato que me é caro,
Como por ímãs atraídos,
Os olhos ponho comovidos
E ali comigo me deparo,

Vejo aturdido a luz que lhe arde
Nas pálidas pupilas ralas,
Claros faróis, vivas opalas,
Que me contemplam sem alarde.

 





O Relógio, Baudelaire

Relógio! Deus sinistro, hediondo, indiferente,
Que nos aponta o dedo em riste e diz: “Recorda!
A Dor vibrante que a lama em pânico te acorda
Como num alvo há de encravar-se brevemente;

Vaporoso, o Prazer fugirá no horizonte
Como uma sílfide por trás dos bastidores;
Cada instante devora os melhores sabores
Que todo homem degusta antes que a morte o afronte.

Três mil seiscentas vezes por hora, o Segundo
Te murmura: Recorda! - E logo, sem demora,
Com voz de inseto, a Agora diz: Eu sou o Outrora,
E te suguei a vida com meu bulbo imundo!

Remenber! Souviens-toi! Esto memor!(Eu falo
Qualquer idioma em minha goela de metal.)
Cada minuto é como uma ganga, ó mortal,
E há que extrair todo o ouro até purificá-lo!

Recorda: O Tempo é sempre um jogador atento
Que ganha, sem furtar, cada jogada! Ë a lei.
O dia vai, a noite vem; recordar-te-ei!
Esgota-se a clepsidra; o abismo está sedento.

Virá a hora em que o Acaso, onde quer que te aguarde,
Em que a augusta Virtude, esposa ainda intocada,
E até mesmo o Remorso(oh, a última pousada!)
Te dirão: Vais morrer, velho medroso! É tarde!”








Os Mochos, Baudelaire

Sob os negros teixos que habitam,
Alinham-se os mochos em fila.
Como a dos deuses, a pupila
Lhes arde em fogo. Eles meditam.
 
E imóveis permanecerão
Até o momento agonizante
Em que, tangendo o sol rasante,
As trevas tudo engolfarão.
 
Sua atitude aos sábios ensina
Que aqui lhe cabe como sina
Temer o caos e o movimento;
 
Bêbado de uma sombra fútil,
O homem maldiz o atrevimento
De haver ousado um passo inútil.








Luar, Verlaine
A vossa alma é uma paisagem escolhida
Que encantando vão máscaras e bergamascas,
Tocando alaúde e dançando, e quase
Triste nos seus disfarces extravagantes.

Cantando em modo menor

O amor triunfante e a vida oportuna,
Não têm ar de acreditar na sua felicidade
E a sua cantiga mistura-se com o luar,

Com o calmo luar triste e belo,

Que faz sonhar as aves nas árvores
E soluçar de êxtase os repuxos,
Os grandes repuxos esbeltos entre os mármores.







Tumulo de Edgar Poe, Mallarmé

Tal que em si mesmo enfim a eternidade o muda,
O poeta suscita com uma espada desnuda
Seu século assustado de não ter percebido
Que a noite triunfava em sua voz estranha!

Como um vil sobressalto de hidra ouvindo o anjo
Dar sentido mais puro às palavras da tribo,
Proclamaram bem alto o sortilégio aurido
No fluxo degradado de uma negra mistura.

Do solo hostil e a nuvem hostil, ah quanta afronta!
Se nossa ideia falha em esculpir um relevo
De que o túmulo de Poe, deslumbrante, se orne,

Calmo bloco caído aqui de um desastre obscuro,
Que esse granito oculte ao menos seu contorno
Aos negros vôos da Blasfêmia esparsos no futuro.








Brisa Marinha, Mallarmé

A carne é triste, sim, e eu li todos os livros.

Fugir! Fugir! Sinto que os pássaros são livres,

Ébrios de se entregar à espuma e aos céus imensos.

Nada, nem os jardins dentro do olhar suspensos,

Impede o coração de submergir no mar

  Ò noites! Nem a luz deserta a iluminar

Este papel vazio com seu branco anseio,

Nem a jovem mulher que preme o filho ao seio.

Eu partirei! Vapor a balouçar nas vagas,

Ergue âncora em prol das mais estranhas plagas!


Um Tédio, desolado por cruéis silêncios,

Ainda crê no derradeiro adeus dos lenços!

E é possível que os mastros, entre as ondas más,

Rompam-se ao vento sobre os náufragos, sem mas-

Tros, sem mastros, nem ilhas férteis, a vogar...

Mas, ó meu peito, ouve a canção que vem do mar!








Eternidade, Rimbaud

Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.

Minha alma imortal,

Cumpre a tua jura
Seja o sol estival
Ou a noite pura.

Pois tu me liberas

Das humanas quimeras,
Dos anseios vãos!
Tu voas então...

- Jamais a esperança.

Sem movimento.
Ciência e paciência,
O suplício é lento.

Que venha a manhã,

Com brasas de satã,
O dever
É vosso ardor.

Ela foi encontrada!

Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.