14 de fev. de 2019

Os Istari (JRR Tolkien, Contos Inacabados de Númenor e da Terra Média)





O relato mais completo sobre os Istari foi escrito, ao que parece, em 1954. Apresento-o aqui na íntegra e subsequentemente referir-me-ei a ele como “o ensaio sobre os Istari”. Mago é uma tradução do quenya istar (sindarin ithron): um dos membros de uma “ordem” (como eles a chamavam), que alegava possuir e demonstrava eminente conhecimento da

história e natureza do Mundo. A tradução (apesar de adequada, por relacionar-se com “wise” 25 e outras antigas palavras de conhecimento, de modo semelhante a istar em quenya) talvez não seja feliz, visto que a Heren Istarion ou “Ordem dos Magos” era bem diversa dos “magos” e “mágicos” de lendas posteriores. Eles pertenciam unicamente à Terceira Era e depois partiram, e ninguém, excepto talvez Elrond, Círdan e Galadriel, descobriu de que espécie eram ou de onde vieram. Entre os homens (inicialmente), aqueles que tratavam com eles supunham que eram homens que haviam adquirido tradições e artes através de estudos longos e secretos. Apareceram pela primeira vez na Terra-média por volta do ano 1000 da Terceira Era, mas por muito tempo andaram com aparência simples, como de homens já velhos, mas sãos de corpo, viajantes e Caminhantes, adquirindo conhecimento da Terra-média e de todos os que ali habitavam, porém sem revelar a ninguém seus poderes e propósitos. Naquela época, os homens raramente os viam e pouca atenção lhes davam. No entanto, à medida que a sombra de Sauron começou a crescer e tomar forma outra vez, tornaram-se mais activos e buscavam sempre opor-se ao avanço da Sombra, bem como a levar os elfos e os homens a se prevenirem contra seu perigo. Então espalhou-se por toda parte, entre os homens, o rumor de suas idas e vindas, bem como de sua interferência em muitos assuntos; e os homens perceberam que eles não morriam, mas permaneciam iguais (a não ser pelo fato de que envelheciam um pouco no aspecto), enquanto os pais e os filhos dos homens se acabavam. Os homens, portanto, começaram a temê-los, mesmo quando os amavam, e consideravam que eles fossem da raça dos elfos (com os quais de fato muitas vezes se associavam). Porém não o eram. Pois vinham do outro lado do Mar, desde o Extremo Oeste. Por muito tempo, no entanto, isso só foi do conhecimento de Círdan, Guardião do Terceiro Anel, mestre dos Portos Cinzentos, que viu seus desembarques nas praias ocidentais. Eram emissários dos Senhores do Oeste, os Valar, que ainda deliberavam sobre o governo da Terra-média e que, quando a sombra de Sauron começou a se agitar novamente, empreenderam esse meio de lhe resistir. Pois. com o consentimento de Eru, enviaram membros de sua própria elevada ordem, porém vestidos de corpos como os dos homens, reais e não ilusórios, mas sujeitos aos medos, às dores e à exaustão da terra,

capazes de sentirem fome e sede, e de serem mortos; embora, por causa de sua nobreza de espírito, não morressem, e só envelhecessem em consequência das preocupações e labutas de muitos e muitos anos. E isso foi feito pelos Valar porque desejavam emendar os erros de outrora, especialmente a tentativa de proteger e isolar os eldar pela plena revelação de seu próprio poderio e glória. Agora, no entanto, seus emissários estavam proibidos de se revelar em formas de majestade, ou de procurar dominar as vontades dos homens ou dos elfos através da demonstração aberta de poder; mas, vindos em formas débeis e humildes, tinham a incumbência de aconselhar e persuadir os homens e os elfos para o bem, e procurar unir no amor e na compreensão todos aqueles que Sauron, caso retornasse, tentaria dominar e corromper. Dessa Ordem o número de membros é desconhecido; mas daqueles que chegaram ao Norte da Terra-média, onde havia mais esperança (por causa do remanescente dos dúnedain e dos eldar que lá habitavam), os principais eram cinco. O primeiro a chegar tinha nobre semblante e porte, com cabelos negros e uma bela voz, e trajava branco. Tinha grande habilidade nos trabalhos das mãos, e era considerado por quase todos, mesmo pelos eldar, o chefe da Ordem. Também havia outros: dois trajados de azul do mar, e um do castanho da terra; e por último chegou um que parecia o menos importante, menos alto que os demais, e de aspecto mais idoso, de cabelos grisalhos, trajado de cinza e apoiado em um cajado. Mas Círdan, desde seu primeiro encontro nos Portos Cinzentos, adivinhou nele
o maior e mais sábio espírito. Deu-lhe as boas-vindas com reverência e entregou a seus cuidados o Terceiro Anel, Narya, o Vermelho, — pois — disse ele — grandes labutas e perigos estão diante de você; e, para que sua tarefa não demonstre ser demasiado grande e exaustiva, tome este Anel para seu auxílio e conforto. Foi-me confiado apenas para ser mantido em segredo, e aqui nas costas do oeste está ocioso; mas julgo que em dias que não tardarão ele deverá estar em mãos mais nobres que as minhas, que poderão usá-lo para acender a coragem em todos os corações; — e o Mensageiro Cinzento tomou o Anel, e sempre o manteve em segredo. No entanto o Mensageiro Branco (que tinha habilidade para descobrir todos os segredos) após certo tempo se deu conta desse presente, e teve inveja. Foi esse o começo da malevolência oculta que tinha em relação ao Cinzento, e que mais tarde se tornou manifesta. Ora, em dias posteriores, o Mensageiro Branco tornou-se conhecido entre os elfos como Curunír, o Homem Habilidoso, e Saruman nas línguas dos homens do norte; mas isso foi depois que ele retornou de suas numerosas viagens, entrou no reino de Gondor e lá morou. Dos Azuis pouco se conhecia no oeste, e não tinham nomes, excepto Ithryn Luin, “os Magos Azuis”; pois foram ao leste com Curunír, mas jamais voltaram, e se permaneceram no leste, lá seguindo os propósitos para os quais haviam sido enviados; ou pereceram; ou ainda, como afirmam alguns, foram apanhados por Sauron e se tornaram seus servos, não se sabe agora. Mas nenhuma dessas alternativas era impossível de acontecer; pois, por muito que isso possa parecer estranho, os Istari, visto que trajavam corpos da Terra-média, podiam afastar-se dos seus propósitos exactamente como os homens e os elfos, e fazer o mal, esquecendo-se do bem na busca pelo poder de realizá-lo. Um trecho separado, escrito na margem, sem dúvida encaixa-se aqui: Pois de facto diz-se que, por possuírem corpos, os Istari necessitavam aprender de novo muitas coisas, pela lenta experiência e, apesar de saberem de onde vinham, a lembrança do Reino Abençoado era para eles uma visão de muito longe, pela qual (enquanto permanecessem fiéis à sua missão) ansiavam intensamente. Assim, por suportarem de livre vontade as angústias do exílio e as fraudes de Sauron, poderiam corrigir os males daquele tempo. De fato, de todos os Istari apenas um permaneceu fiel, e esse foi o último a chegar. Pois Radagast, o quarto, apaixonou-se pelos muitos animais e aves que viviam na Terra-média, e abandonou os elfos e os homens para passar seus dias entre as criaturas selvagens. Assim obteve seu nome (que é do idioma de Númenor de outrora, e significa, dizem, “o que cuida dos animais”). E Curunír 'Lân, Saruman, o Branco,
decaiu da sua elevada missão, e, tornando-se orgulhoso, impaciente e apaixonado pelo poder, buscou fazer sua própria vontade pela força, e desalojar Sauron; mas foi apanhado por aquele espírito sinistro, mais poderoso que ele. Mas o último a chegar era chamado entre os elfos de Mithrandir, o Peregrino Cinzento, pois não morava em nenhum lugar e não reunia em torno de si nem riquezas nem seguidores, mas andava sempre para lá e para cá nas Terras Ocidentais, de Gondor a Angmar, e de Lindon a Lórien, fazendo-se amigo de toda a gente em tempos de necessidade. Era cordial e sério seu espírito (e era reforçado pelo anel Narya), pois ele era o Inimigo de Sauron, que opunha ao fogo que devora e destrói o fogo que anima, e socorre na desesperança e no infortúnio. No entanto, sua alegria e sua ira repentina estavam veladas em trajes da cor da cinza, de modo que apenas os que o conheciam bem entreviam a chama que ardia no seu íntimo. Podia ser jovial além de bondoso com os jovens e os simples; e ainda assim, às vezes, dispunha-se rapidamente a falar com rispidez e a repreender a insensatez. Não era orgulhoso porém, não buscava nem o poder nem o elogio, e assim, por toda parte, era caro a todos aqueles que não eram eles próprios orgulhosos. Na maioria das vezes viajava a pé, incansável, apoiado num cajado; e assim era chamado entre os homens do norte de Gandalf, “o Elfo do Cajado”. Pois consideravam (embora erradamente, como se disse) que pertencia à espécie dos elfos, visto que às vezes fazia maravilhas entre eles, por apreciar em especial a beleza do fogo. Realizava porém tais maravilhas principalmente para o contentamento e o deleite, sem desejar que ninguém sentisse reverência por ele ou seguisse seus conselhos por temor. Noutro lugar conta-se como, quando Sauron voltou a se erguer, também ele se ergueu e parcialmente revelou seu poder. E, tornando-se o principal autor da resistência contra Sauron, foi por fim vitorioso; e, pela vigilância e labuta, conduziu tudo àquele fim que fora pretendido pelos Valar sob o comando do Um que está acima deles. No entanto, diz-se que sofreu imensamente ao acabar a tarefa para a qual viera, e foi morto. E, tendo sido devolvido da morte, esteve então por um curto espaço de tempo trajado de branco, antes de se transformar numa chama radiante (ainda velada, excepto na necessidade extrema). E, quando tudo estava terminado e a Sombra de Sauron tinha sido eliminada, partiu para sempre por sobre o Mar; ao passo que Curunír foi derrubado e totalmente humilhado, e pereceu afinal pela mão de um escravo oprimido; tendo seu espírito ido aonde quer que estivesse condenado a ir, e à Terra-média, quer despido quer corporificado, jamais voltou. No Senhor dos Anéis a única afirmativa geral sobre os Istari encontra-se na nota introdutória do Conto dos Anos da Terceira Era no Apêndice B: Quando cerca de mil anos haviam passado, e a primeira sombra cobriu a Grande Floresta Verde, os Istari ou magos apareceram na Terra-média. Posteriormente comentou-se que eles tinham vindo do
Extremo Oeste e eram mensageiros enviados para fazer frente ao poder de Sauron, e para unir todos aqueles que tinham vontade de resistir a ele; mas os magos estavam proibidos de enfrentar o poder dele com o seu poder, ou de procurar dominar os elfos ou os homens usando de força ou medo. Portanto vieram na forma de homens, embora nunca fossem jovens e envelhecessem vagarosamente, e detinham muitos poderes na mente e nas mãos. Revelavam seus verdadeiros nomes a poucos, mas usavam os nomes que lhes eram dados. Os dois maiores dessa ordem (da qual se diz que era composta de cinco) eram chamados pelos eldar de Curunír, “o Homem Habilidoso”, e Mithrandir, “o Peregrino Cinzento”, mas os homens do norte chamavam-nos respectivamente de Saruman e Gandalf. Curunír viajava frequentemente para o leste, mas por fim passou a morar em Isengard. Mithrandir tinha uma amizade mais estreita com os eldar, e vagava principalmente no oeste, nunca fixando uma residência permanente. Segue-se um relato da custódia dos Três Anéis dos Elfos, no qual consta que Círdan deu o Anel Vermelho a Gandalf quando este primeiro chegou aos Portos Cinzentos vindo do outro lado do Mar (pois “Círdan enxergava mais longe e mais fundo que qualquer outro na Terra-média”). Assim, o ensaio recém-mencionado a respeito dos Istari conta muitas coisas sobre eles e sua origem que não aparecem no Senhor dos Anéis (e também contém algumas observações incidentais de grande interesse sobre os Valar, sua preocupação contínua com a Terra-média e seu reconhecimento do antigo erro, que não podem ser discutidas aqui). O mais notável é a descrição dos Istari como “membros de sua própria elevada ordem” (a ordem dos Valar), bem como as afirmativas sobre sua corporificação física. Mas também são dignas de nota a chegada dos Istari à Terra-média em épocas diferentes; a percepção de Círdan de que Gandalf era o maior deles; o conhecimento de Saruman de que Gandalf possuía o Anel Vermelho, e sua inveja; a visão que temos de Radagast, como alguém que não permaneceu fiel à sua missão; os outros dois “Magos Azuis”, sem nome, que foram com Saruman para o leste, mas, ao contrário dele, jamais voltaram às Terras Ocidentais; o número de membros da ordem dos Istari (que aqui se diz ser desconhecido, apesar de serem cinco “os principais” dos que chegaram ao norte da Terra-média); a explicação dos nomes Gandalf e Radagast; e a palavra sindarin ithron, plural ithryn. O trecho acerca dos Istari em Dos Anéis de Poder (no Silmarillion, p. 382) é de fato muito próximo da afirmativa no Apêndice B do Senhor dos Anéis, mencionada acima, até mesmo nas palavras; mas inclui a seguinte frase, que concorda com o ensaio sobre os Istari:
Curunír era o mais velho e o que chegara primeiro; e depois dele vieram Mithrandir e Radagast, bem como outros dos Istari que passaram para o leste da Terra-média e não entram nestas histórias. A maior parte dos demais escritos sobre os Istari (como grupo) infelizmente nada mais é que anotações muito rápidas, frequentemente ilegíveis. No entanto, é de extremo interesse um esboço breve e muito apressado de uma narrativa que fala de um conselho dos Valar, ao que parece convocado por Manwe (“e talvez tenha invocado Eru para aconselhá-los?”), no qual foi resolvido que enviariam três emissários à Terra-média. “Quem haveria de ir? Pois teriam de ser poderosos, pares de Sauron, mas teriam de renunciar ao poder e se trajar em carne para tratar com igualdade e conquistar a confiança dos elfos e dos homens. Mas isso os poria em risco, obscurecendo sua sabedoria e seu conhecimento, e confundindo-os com temores, preocupações e exaustões derivadas da carne”. Mas só dois se apresentaram: Curumo, que foi escolhido por Aule, e Alatar, que foi enviado por Orome. Então Manwe perguntou onde estava Olórin. E Olórin, que trajava cinzento e, por acabar de voltar de uma viagem, se sentara à beira do conselho, perguntou o que Manwe queria dele. Manwe respondeu que desejava que Olórin fosse como terceiro mensageiro à Terra-média (e está observado entre parênteses que 'Olórin amava os eldar que restavam, aparentemente para explicar a escolha de Manwe). Mas Olórin declarou que era demasiado fraco para tal tarefa e que temia Sauron. Então Manwe disse que essa era ainda mais razão para que ele fosse, e que ordenava a Olórin (seguem-se palavras ilegíveis que parecem conter a palavra “terceiro”). Mas a essas palavras Varda ergueu o olhar e disse: — Não como terceiro —; e Curumo lembrou-se disso. A nota termina com a afirmativa de que Curumo [Saruman] levou Aiwendil [Radagast] porque Yavanna lhe implorou que o fizesse, e que Alatar levou Paliando como amigo. Em outra página de anotações, claramente pertencente ao mesmo período, diz-se que “Curumo foi obrigado a levar Aiwendil para agradar a Yavanna, esposa de Aule”. Ali há também alguns esboços de tabelas que relacionam os nomes dos Istari com os nomes idos Valar: Olórin com Manwe e Varda, Curumo com Aule, Aiwendil com Yavanna, Alatar com Orome, e Paliando também com Orome (mas isso substitui a relação de Paliando com Mandos e Nienna). À luz da breve narrativa recém-mencionada, essas relações entre os Istari e os Valar significam claramente que cada Istar foi escolhido por um Vala por suas características inatas — talvez mesmo por serem membros do “povo” daquele Vala, no mesmo sentido do que se diz de Sauron no Valaquenta (O Silmarillion, p. 23), que “no início, ele pertencia aos Maiar de Aule e continuou poderoso na tradição daquele povo”. Assim, é muito notável que Curumo (Saruman) fosse escolhido por Aule. Não há vestígio de explicação do motivo pelo qual o evidente desejo de Yavanna, de que os Istari deveriam incluir alguém com um amor especial pelas coisas que ela fizera, só podia ser realizado pela imposição da companhia de Radagast a Saruman; enquanto a sugestão no ensaio
sobre os Istari de que apaixonando-se pelas criaturas selvagens da Terra-média, Radagast abandonou o propósito para o qual fora enviado, talvez não esteja em perfeita harmonia com a ideia de que foi especialmente escolhido por Yavanna. Ademais, tanto no ensaio sobre os Istari quanto em Dos Anéis de Poder, Saruman chegou primeiro e sozinho. Por outro lado, é possível ver uma sugestão da história da companhia indesejável de Radagast no extremo desprezo que Saruman tinha por ele, conforme foi relatado por Gandalf ao Conselho de Elrond. — “Radagast, o Castanho!”, riu Saruman, não mais escondendo o desprezo que sentia. “Radagast, o Domador de Pássaros! Radagast, o Simplório! Radagast, o Tolo! Mas pelo menos teve a capacidade de desempenhar a função que lhe designei”. Ao passo que no ensaio sobre os Istari consta que os dois que foram ao leste não tinham nomes, excepto Ithryn Luin, “os Magos Azuis” (com o evidente significado de que não tinham nomes no oeste da Terra-média), aqui eles são designados, como Alatar e Paliando, e estão associados com Orome, embora não se dê nenhuma sugestão do motivo dessa relação. Pode ser (apesar de se tratar da mais pura conjectura) que Orome, dentre todos os Valar, tivesse o maior conhecimento das regiões remotas da Terra-média, e que os Magos Azuis estivessem destinados a viajar nessas regiões e lá ficar. Além do fato de que estas notas sobre a escolha dos Istari certamente são posteriores à conclusão do Senhor dos Anéis, não consigo encontrar nenhuma prova de sua relação, em termos de época de composição, com o ensaio sobre os Istari. Não conheço nenhum outro escrito sobre os Istari. a não ser algumas notas muito rudimentares e parcialmente impossíveis de interpretar, que certamente são muito posteriores às dadas acima, e provavelmente datam de 1972: Temos de presumir que eles [os Istari] eram todos Maiar, isto é, pessoas da ordem “angelical”, mas não necessariamente da mesma classe. Os Maiar eram “espíritos”, porém capazes de auto-encarnação, e podiam assumir formas “humanóides” (especialmente élficas). Diz-se (por exemplo, o próprio Gandalf afirma) que Saruman era o chefe dos Istari — isto é, mais elevado na estatura valinoreana que os demais. Gandalf era evidentemente o próximo na ordem. Radagast é apresentado como uma pessoa de muito menor poder e sabedoria. Dos outros dois nada se diz em obras publicadas, excepto a referência aos Cinco Magos na altercação entre Gandalf e Saruman [As Duas Torres, III X], Ora, esses
Maiar foram enviados pelos Valar em um momento crucial da história da Terra-média para reforçar a resistência dos elfos do oeste, cujo poder minguava, e dos homens incorruptos do oeste, em número muito menor que os do leste e do sul. Pode-se ver que cada um deles era livre para fazer o que podia nessa missão; que não eram comandados nem se esperava que agissem juntos como um pequeno corpo central de poder e sabedoria; que cada um tinha poderes e inclinações diferentes, e que foram escolhidos pelos Valar com essa intenção. Outros escritos tratam exclusivamente de Gandalf (Olórin, Mithrandir). No verso da página isolada que contém a narrativa da escolha dos Istari pelos Valar, aparece a seguinte nota curiosíssima: Elendil e Gil-galad eram parceiros; mas essa foi “a Última Aliança” entre elfos e homens. Na derrocada final de Sauron, os elfos não estavam efectivamente envolvidos no ponto da ação. Legolas provavelmente foi o que menos realizou dentre os Nove Andantes. Galadriel, a maior dos eldar que sobreviviam na Terra-média, tinha sua principal potência na sabedoria e na bondade, como diretora ou conselheira no combate, inconquistável na resistência (em especial na mente e no espírito), mas incapaz de acção punitiva. Na sua escala, tornara-se como Manwe com respeito à grande acção total. Manwe, no entanto, mesmo após a Queda de Númenor e a destruição do mundo antigo, mesmo na Terceira Era, quando o Reino Abençoado fora removido dos “Círculos do Mundo”, ainda não era um mero observador. Foi claramente de Valinor que vieram os emissários que eram chamados de Istari (ou Magos), e entre eles Gandalf, que demonstrou ser o director e coordenador tanto do ataque quanto da defesa. Quem era Gandalf? Diz-se que em dias posteriores (quando outra vez se ergueu uma sombra do mal no Reino) muitos dos “Fiéis” daquele tempo acreditavam que “'Gandalf” era a última aparição do próprio Manwe, antes de seu retraimento final à torre de vigia de Taniquetil. (O fato de Gandalf ter dito que seu nome “no Ocidente” fora Olórin era, de acordo com essa
crença, a adopção de um cognome, uma mera alcunha.) Eu (é claro) não conheço a verdade neste caso; e, se a conhecesse, seria um erro ser mais explícito do que Gandalf foi. Mas creio que não era assim. Manwe não descerá da Montanha antes da Dagor Dagorath, e a chegada do Fim, quando Melkor retornará. Para vencer Morgoth, ele enviou seu arauto Eonwe. Para derrotar Sauron, então, não mandaria algum espírito menor (mas poderoso) do povo angélico, alguém coeso e igual, sem dúvida, a Sauron nos seus primórdios, porém não mais? Olórin era seu nome. Mas de Olórin nunca saberemos mais do que aquilo Saberás a ciência há muito secreta Dos Cinco que saíram de solo distante? Um só voltou. Os outros não mais Trilharão a Terra-média sob tutela dos homens Até Dagor Dagorath e o Destino chegar. Como o conheces: o conselho oculto Dos Senhores do Oeste na terra de Aman? Longas vias se foram que até lá levavam, E aos homens mortais Manwe não se manifesta. Do Oeste-que-Era uma aragem o trouxe Ao ouvido do sono. em meio aos silêncios Na sombra da noite, quando trazem notícias De terras esquecidas e extintas eras Por mares de anos à mente minuciosa. Restam os que recorda o Rei Mais Velho. Enxergou a Sauron como sutil ameaça [...] Aqui há muitas coisas que dizem respeito à questão maior, da preocupação de Manwe e dos Valar com o destino da Terra-média após a Queda de Númenor, e que devem escapar totalmente ao âmbito deste livro. Depois das palavras “Mas de Olórin nunca saberemos mais do que aquilo que ele revelou em Gandalf”, meu pai acrescentou mais tarde: excepto que Olórin é um nome alto-élfico, e portanto deve ter sido dado a ele em Valinor pelos eldar, ou deve ser uma “tradução” com a intenção de ser significativa a eles. Em qualquer um dos casos, qual era o significado do nome, conferido ou adoptado? Olor é uma palavra frequentemente traduzida como “sonho”, mas que não se refere aos “sonhos” humanos (em sua maioria), certamente não aos sonhos do sono. Para os eldar, incluía o conteúdo vivido de sua memória, assim como de sua imaginação: referia-se de fato à visão clara, na mente, de coisas não fisicamente presentes na situação do corpo. Porém não somente a uma ideia, mas a um pleno revestimento dela com forma e detalhe particulares. Uma nota etimológica isolada explica o significado de modo semelhante: olo-s: visão, “fantasia”: Nome élfico comum para “construção da mente” não realmente (pré-)existente em Ea à parte da construção, mas capaz de ser tornada visível e sensível pelos eldar, através da Arte (Karme). Olos normalmente se aplica a construções belas que têm somente um objectivo artístico (isto é, não têm o objectivo do engano, ou de adquirir poder). São citadas palavras derivadas desta raiz: quenya olos “sonho, visão”, plural olozi/olori; õla- (impessoal) “sonhar”; olosta “sonhador”. É feita então uma referência a Olofantur, que era o primitivo nome “verdadeiro” de Lórien, o Vala que era “mestre das
visões e dos sonhos”, antes de ser alterado para Irmo no Silmarillion (como Nurufantur foi alterado para Námo (Mandos): embora o plural Fêanturi para esses dois “irmãos” tenha sobrevivido no Valaquenta). Essas discussões de olos, olor claramente devem estar ligadas ao trecho do Valaquenta (O Silmarillion, p. 22) em que se diz que Olórin habitava em Lórien em Valinor, e que embora ele amasse os elfos, caminhava invisível em seu meio ou na forma de um deles, e eles não sabiam de onde vinham as belas visões ou as sugestões de sabedoria que ele instigava em seus corações.  Numa versão anterior desse trecho consta que Olórin era “conselheiro de Irmo”, e que no coração daqueles que o escutavam despertavam pensamentos “de coisas belas que ainda não haviam existido, mas podiam ainda ser feitas para o enriquecimento de Arda”. Há uma longa nota para elucidar o trecho em As Duas Torres, IV. V, em que Faramir, em Henneth Annûn. contou que Gandalf dissera: Tenho muitos nomes em diferentes lugares. Mithrandir entre os elfos, Tharkûn para os anões; eu era Olórin em minha juventude no Ocidente que está esquecido; no sul, Incánus, no norte, Gandalf; para o leste eu nunca vou. Esta nota é anterior à publicação da segunda edição do Senhor dos Anéis em 1966, e diz o seguinte: A data da chegada de Gandalf é incerta. Ele veio de além do Mar, aparentemente mais ou menos ao mesmo tempo em que se notaram os primeiros sinais do ressurgimento da “Sombra”: a reaparição e a difusão de criaturas malignas. Mas ele raramente é mencionado em quaisquer anais ou registos durante o segundo milénio da Terceira Era. Provavelmente vagueou por muito tempo (com vários aspectos), não empenhado em feitos e acontecimentos, mas em explorar o coração dos elfos e homens que haviam estado e ainda se podia esperar estivessem opostos a Sauron. Está preservada sua própria afirmativa (ou uma versão dela, e de qualquer maneira não plenamente compreendida) de que seu nome na juventude era Olórin no Ocidente, mas era chamado de Mithrandir pelos elfos (Caminheiro Cinzento), Tharkûn pelos anões (que alegadamente significava “Homem do Cajado”), Incánus no sul, e Gandalf no norte, mas “para o leste eu nunca vou”. “O Ocidente” aqui claramente significa o Extremo Oeste além do Mar, não parte da Terra-média; o nome Olórin é de forma alto-élfica. “O norte” deve referir-se às regiões do noroeste da Terra-média, onde a maioria dos habitantes ou povos falantes eram, e permaneciam, incorruptos por Morgoth ou Sauron. Nessas regiões seria mais forte a resistência aos males deixados para trás pelo Inimigo, ou a seu servo Sauron, caso este reaparecesse. Os limites dessa região eram naturalmente vagos; sua fronteira leste era aproximadamente o Rio Carnen até sua junção com o Celduin (o Rio Corrente), e além até Númen, e de lá rumo ao sul até os antigos confins de Gondor Meridional. (Originariamente não excluía Mordor, que estava ocupada por Sauron, mesmo que fora de seus reinos originais “no leste”, como ameaça deliberada ao oeste e aos númenorianos.) “O norte” inclui portanto toda esta grande área: uma fronteira imprecisa do oeste para o leste desde o Golfo de Lûn até Númen, e do norte para o sul desde Carn Dûm até os limites meridionais da antiga Gondor, entre esta e o Harad Próximo. Além de Númen, Gandalf jamais fora. Esse trecho é a única prova que resta acerca da extensão de suas viagens mais para o sul. Aragorn afirma ter chegado “às regiões distantes de Rhûn e Harad, onde as estrelas são estranhas” (A Sociedade do Anel, II, II). Não é necessário supor que Gandalf tenha feito o mesmo. Essas lendas são centradas no norte — porque está representado como fato histórico que o combate contra Morgoth e seus servos ocorreu principalmente no norte, e especialmente no noroeste, da Terra-média, e isso foi assim porque o movimento dos elfos, e depois dos homens escapando de Morgoth, fora inevitavelmente rumo ao oeste, na direcção do Reino Abençoado, e rumo ao noroeste porque naquele ponto as costas da Terra-média estavam mais próximas de Aman. Harad “sul” é portanto um termo vago; e, apesar de os homens de Númenor, antes de sua queda, terem explorado as costas da Terra-média muito ao sul, suas povoações além de Umbar haviam sido absorvidas, ou, tendo sido estabelecidas por homens que já em Númenor tinham sido corrompidos por Sauron, haviam se tornado hostis e parte dos domínios de Sauron. Mas as regiões meridionais em contacto com Gondor (e chamadas pelos homens de Gondor simplesmente de Harad “sul”, Próximo ou Extremo) eram provavelmente mais propensas a serem convertidos à “Resistência”, e também lugares onde Sauron estava mais ocupado na Terceira Era, visto que eram para ele uma fonte de mão-de-obra muito prontamente utilizada contra Gondor. Para essas regiões, Gandalf pode muito bem ter viajado nos primeiros dias de suas labutas. Mas sua principal província era o “norte”, e nele acima de tudo o noroeste, Lindon, Eriador e os Vales do Anduin. Sua aliança era primariamente com Elrond e os dúnedain do norte (Guardiões). Era-lhe peculiar seu amor e conhecimento dos “Pequenos”, pois sua sabedoria tinha um presságio da importância deles em última análise, e ao mesmo tempo percebia seu valor inerente. Gondor atraía menos sua atenção, pela mesma razão que a tornava mais interessante para Saruman: era um centro de conhecimento e poder. Seus governantes, pela ascendência e todas as suas tradições, opunham-se irrevogavelmente a Sauron, certamente do ponto de vista político: o reino de Gondor erguia-se como ameaça a ele, e continuava a existir somente até onde e até quando a ameaça de Sauron a eles pudesse ser enfrentada pelo poder armado.
Gandalf pouco podia fazer para guiar seus altivos governantes ou instruí-los, e foi somente na decadência do seu poder, quando foram enobrecidos pela coragem e pela perseverança no que parecia uma causa perdida, que ele começou a se preocupar profundamente com eles. O nome Incánus é aparentemente “alienígena”, isto é, nem westron nem élfico (sindarin ou quenya); nem é explicável pelos idiomas remanescentes dos homens do norte. Uma nota no Livro do Thain diz que é uma forma, adaptada ao quenya, de uma palavra do idioma dos Haradrim que significa simplesmente “espião do norte” (Ink.ã + nus). Gandalf é uma substituição, na narrativa em inglês, nas mesmas linhas do tratamento dado a nomes dos hobbits e dos anões. É um nome nórdico verdadeiro (encontrado, aplicado a um anão, em Voluspá), usado por mim por parecer conter gandr, um cajado, especialmente um usado em “mágica”, e por ser possível supor que signifique “indivíduo élfico com um cajado (mágico)”. Gandalf não era elfo, mas pelos homens poderia ser associado com eles. visto que sua aliança e sua amizade com eles eram bem conhecidas. Como o nome é associado com “o norte” em geral, deve-se supor que Gandalf' represente um nome em westron, porém composto de elementos não derivados dos idiomas élficos. Uma visão totalmente diferente do significado das palavras de Gandalf “no sul, Incánus”, e da etimologia do nome, aparece em uma nota escrita em 1967: É muito obscuro o que significava “no sul”. Gandalf negou jamais ter visitado “o leste”, mas na verdade parece ter limitado suas viagens e sua tutela às terras ocidentais, habitadas pelos elfos e por povos em geral hostis a Sauron. De qualquer forma, parece improvável que alguma vez tenha viajado ou permanecido bastante tempo no Harad (ou Extremo Harad!) para lá ter adquirido um nome especial numa das línguas alienígenas daquelas regiões pouco conhecidas. Assim, o sul deve significar Gondor (no sentido mais amplo, as terras sob a suserania de Gondor no píncaro do poder). À época do Conto, porém, encontramos Gandalf sempre chamado de Mithrandir em Gondor (por homens de classe alta ou origem númenoriana, como Denethor. Faramir etc). Isto é sindarin, e é dado como o nome usado pelos elfos; mas os homens de classe alta em Gondor conheciam e usavam essa língua. O nome “popular” em westron ou Língua Geral era evidentemente um com o significado de “Manto-Cinzento”, mas como havia sido inventado muito tempo atrás já possuía uma forma arcaica. Esta talvez esteja representada pelo Capa-Cinzenta usado por Éomer em Rohan. Meu pai concluiu aqui que “no sul” se referia a Gondor, e que Incánus era (como Olórin) um nome em quenya, porém inventado em Gondor nos tempos antigos, quando o quenya ainda era muito usado pelos eruditos e era a língua de muitos registos históricos, como havia sido em Númenor. Gandalf, diz-se no Conto dos Anos, surgiu no oeste no início do século XI da Terceira Era. Se presumirmos que ele primeiro visitou Gondor, bastantes vezes e por tempo suficiente para ali adquirir um nome ou nomes — digamos no reinado de Atanatar Alcarin, cerca de 1.800 anos antes da Guerra do Anel —. seria possível tomar Incánus como um nome em quenya inventado para ele, que mais tarde se tornou obsoleto e era lembrado apenas pelos eruditos. Com base nessa suposição, é proposta uma etimologia a partir dos elementos quenya in(id) “mente” e kan“soberano”, em especial em cáno. cánu, “soberano, governador, chefe”(este último constitui o segundo elemento nos nomes Turgon e Fingon). Nessa nota, meu pai referiu-se à palavra latina Incánus. “grisalho”, de maneira a sugerir que esta fosse a origem real deste nome de Gandalf quando O Senhor dos Anéis foi escrito, o que, caso verdadeiro, seria muito surpreendente. E, ao final da discussão, observou que a coincidência de formas entre o nome em quenya e a palavra latina deve ser vista como um “acidente”, do mesmo modo que o sindarin Orthanc “elevação bifurcada”. por acaso coincide com a palavra anglo-saxã Orthanc , “invenção astuciosa”, que é a tradução do nome real na língua dos rohirrim.


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