17 de jan. de 2011

Pablo Neruda - Ode à Solidão (com vídeo de Satie, Gymnopédie Nº 1)





Ode à Solidão

Ò solidão, formosa palavra,
ervas silvestres
brotam entre as tuas sílabas,
mas és somente uma pálida
palavra, ouro
falso
traidora moeda!
Eu descrevi a solidão
literariamente:
pus-lhe a gravata
tirada dos livros,
a camisa
do sonho,
mas só a conheci quando estava sozinho.
Alimária igual não vi nenhuma
como aquela:
parece-se à peluda aranha
e à mosca
das estrumeiras.
Mas tem nas suas patas de camelo
ventosas de cobra de água,
e exala um cheiro pestilento de adega
onde apodrecem através dos séculos
pardacentas peles de foca e ratazanas.
Solidão, eu não quero
que continues a mentir pela boca dos livros.
Chega o jovem poeta tenebroso
e para seduzir
assim a sonolenta senhorinha
arranja mármore negro e lhe levanta
uma pequena estátua
que esquecerá
na manhã do seu casamento.
Mas
na luz coada da primeira
idade encontramo-la
pensando que é uma deusa negra
trazida das ilhas,
brincamos com o seu torso e ofertamos-lhe
a pura reverencia da infância.
A solidão criadora
não existe.
Não está sozinha
a semente na terra.
Multidões de germes mantêm
o profundo concerto das vidas
e a água é apenas a mãe transparente
de um invisível coro submerso.
Solidão da terra
é o deserto. E estéril
como ele
é a solidão
do homem. As mesmas
horas, noites e dias
envolvem toda a terra
com o seu manto
mas não deixam nada no deserto.
A solidão não recebe sementes.

Não é apenas beleza
o que contém
o barco no oceano;
o seu voo de pombo sobre a água
é o produto
duma maravilhosa companhia
de fogo e bombeiros,
de estrela e navegantes,
de braços e bandeiras congregados,
de comuns amores e seus destinos.

A música procurou para expressar-se
a firmeza coral do oratório
e foi escrita
não somente por um homem
mas também por uma linha
de sonoros ascendentes.
E essa palavra
que aqui deixo suspensa do ramo,
esta canção que não procura
solidão nenhuma senão a tua boca,
para que a repitas
escreve-a o ar
junto de mim, as vidas
que antes de mim viveram.
E tu que lês a minha ode
contra a solidão a dirigiste
e assim as tuas próprias mãos a escreveram,
sem me conheceres, com as minhas mãos.