17 de jan. de 2011

Pablo Neruda - Ode à Noite (com vídeo de Debussy, Clair de lune)





Ode à Noite

Por detrás
do dia,
de cada pedra e árvore,
por detrás de cada livro, noite,
galopas e laboras,
ou repousas,
aguardando
que as tuas raízes recolhidas
desatem a tua flor e a tua folhagem.
Como
uma bandeira,
ondulas no céu
até cobrires
os montes e os mares,
assim como os mais pequenos buracos.
Os olhos
duros do camponês depauperado,
o negro coral
das bocas humanas
afundadas no sono.
Sobre a corrente selvagem dos rios,
livre tu corres,
secretas veredas cobres, noite,
profundidade de constelados amores
pelos corpos nus,
crimes que se espalham
com um grito na sombra.
Entretanto os comboios
passam, os fogueiros
lançam carvão nocturno ao vermelho fogo,
o atarefado empregado de estatística
enfia-se no bosque
de folhas petrificadas,
o padeiro amassa a brancura.
A noite também dorme
como um cavalo cego.
Chove de norte a sul
sobre as grandes árvores da minha pátria,
sobre os telhados
de chapa ondulada,
soa
o canto da noite.
Chuva e escuridão são os metais
da espada que canta,
e estrelas ou jasmins
são sentinelas
da negra abóbada,
sinais
que pouco a pouco
com o arrastar dos séculos
entenderemos.
Noite, noite minha,
noite de todo o mundo,
tens algo dentro de ti, redondo
como um menino prestes a nascer, como uma
semente
que rebenta,
é o milagre,
é o dia.
És a mais bela
porque alimentas o teu escuro sangue
a papoila que nasce,
porque trabalhas de olhos fechados
para que olhos se abram,
para que a água cante,
para que as nossas vidas
ressuscitem.