24 de mar. de 2011

Relatório da Human Rights Watch sobre o aumento do racismo em Itália

Protestantes junto ao coffee shop de Milão onde Abdul Guibre, um imigrante oriundo do Burkina Faso, foi espancado até à morte.


O governo italiano não está a tomar quaisquer medidas para prevenir e reprimir a violência racista e xenófoba, afirmou a organização Human Rights Watch num relatório divulgado hoje. Os imigrantes e os italianos de origem estrangeira têm sido vítimas de ataques brutais em Itália nestes últimos anos. Este relatório de 71 páginas, "Everyday Intolerance, Racist and Xenophobic Violence in Italy", documenta a incapacidade do estado para tomar medidas eficazes contra crimes de ódio. As acusações legais relativamente a casos de violência racialmente motivada são raras, com os funcionários italianos subestimar a extensão do problema e a falharem na condenação destes ataques. A falta de capacidade e de treinamento por parte dos policiais italianos e a insuficiência na recolha destes dados estão na base deste problema. Ao mesmo tempo, a retórica do discurso político, as políticas governamentais e o impacto mediático que persistem em ligar os imigrantes com a criminalidade têm alimentado um clima de intolerância geral. "O governo gasta muito mais energia em culpar os imigrantes e os ciganos para os problemas da Itália do que em esforços para impedir os ataques violentos contra os mesmos", disse Judith Sunderland, pesquisadora da Human Rights Watch. "O governo fala agora de  uma invasão alarmante, de proporções bíblicas, vinda do Norte de África!"  - este é o exemplo mais recente do seu discurso retórico e  irresponsável. Os funcionários do estado deveriam  preocupar-se em proteger os imigrantes e ciganos de ataques racistas.
Em cidades um pouco por toda a Itália temos assistido a ataques e a actos de violência por parte da multidão e/ou individuais contra imigrantes, ciganos, e italianos de origem estrangeira. Multidões invadiram acampamentos de ciganos em Nápoles, em Maio de 2008; um grupo de trabalhadores imigrantes africanos temporários na Calábria foram agredidos em Janeiro de 2010. Cerca de 15 pessoas atacaram um bar Bengali em Roma, em Março de 2010. Autoridades italianas registaram 142 crimes de ódio nos primeiros nove meses de 2009, mas uma organização anti-racista italiana registou 398 ocorrências de tais crimes durante aproximadamente o mesmo período, com 186 agressões físicas (18 dos quais levaram à morte). Alguns ataques individuais incluem o assassinato em Setembro de 2008 de Abdoul Guiebre, um italiano oriundo do Burkina Faso, espancado até a morte nas ruas de Milão depois de um pequeno furto num café; o espancamento de um homem chinês em Outubro de 2008, enquanto esperava por um autocarro em Roma; e em Fevereiro de 2009 o ataque a um índio numa cidade nas proximidades de Roma, tendo ele sido espancado, encharcado com gasolina e incendiado.
A lei italiana prevê penas de prisão maior para crimes agravados por motivação racial; porém o estatuto de 1993 tem sido frequentemente interpretado pelo Ministério Público e pelos tribunais aplicando-se somente a casos nos quais o ódio racial se apresente  como a única motivação, levando a que na prática muitos crimes racistas sejam processados ​​como sendo crimes comuns. O estado processou o assassinato de Abdoul Guiebre como se tratasse de um crime comum, por exemplo, apesar dos insultos racistas proferidos pelos autores durante o ataque. Crimes motivados por ódio referente à orientação sexual e ao gênero não são sequer considerados.
A extrema violência contra os trabalhadores imigrantes sazonais africanos da Calábria, em Janeiro de 2010, incluindo tiroteios e três dias de violência por parte da multidão que deixaram pelo menos 11 imigrantes hospitalizados com ferimentos graves, não levaram a acusações e condenações por crimes raciais. Apenas três italianos foram julgados e condenados em conexão com a violência. Moradores e policiais também sofreram ferimentos, alguns deles causados ​​por imigrantes durante as revoltas contra os ataques da multidão.
Autoridades italianas minimizaram a dimensão racista da violência em Rosarno, em consonância com uma tendência geral para classificar os crimes por motivação racial como sendo raros. O governo italiano não recolhe nem publica estatísticas sobre os relatórios crime ou processos judiciais. As autoridades apontam para o baixo número de queixas oficiais e para os escassos processos de violência racialmente motivada para argumentar que tal violência é rara, ignorando a subnotificação e o fracasso das autoridades para os identificar corretamente.
"O governo italiano gosta de fingir que a violência racista quase nunca acontece", diz Sunderland, "mas se você for um italiano de uma minoria étnica, um cigano, ou um imigrante, para si esta é uma realidade muito comum. Reconhecer a dimensão de um problema é uma condição necessária para o enfrentar."
Uma consequência do fracasso das autoridades em reconhecer esses crimes de ódio como um problema significativo é que os legisladores e os procuradores não recebem qualquer formação sistemática e especializada para identificar, investigar e punir a violência racista.
Os ciganos, a minoria mais acuada na Itália hoje, estão particularmente em risco de assédio e maus-tratos durante a desocupação de acampamentos por parte da polícia ou pelos Carabinieri, disse a Human Rights Watch. Alegações sérias de abuso por parte de agentes da lei não foram investigadas, e com a quase total impunidade face à violência por parte da multidão para com os acampamentos ciganos, muitos ciganos têm pouca ou nenhuma fé nas instituições públicas.
"Muitas pessoas, especialmente imigrantes ilegais e ciganos, têm muito receio de ir à polícia", diz Sunderland. "O governo tem de fazer muito mais para incentivar a denúncia e instaurar a confiança entre as comunidades mais vulneráveis."
O discurso político mediático que liga os imigrantes e ciganos ao crime tem alimentado um ambiente perigoso de intolerância por parte de um país que tem visto um aumento dramático na imigração ao longo dos últimos 10 anos.
Desde 2008, o governo do primeiro-ministro Silvio Berlusconi, em coligação com o partido abertamente anti-imigrante da Liga do Norte, adoptou decretos de emergência para a implementação de medidas fortes contra imigrantes ilegais e ciganos, e aprovou uma lei tornando ilegais a entrada e a permanência em Itália, um crime punível com uma multa pesada.
Este relatório da Human Rights Watch contém recomendações concretas para o governo italiano conseguir reforçar a sua resposta face à violência racista, incluindo:
    
* Condenar energicamente, ao mais alto nível, os crimes racistas e de violência xenófoba.
    
* A reforma do direito penal para garantir que a motivação de ódio possa ser aplicada mesmo quando os autores têm motivações diversas, e ampliando a lista das características protegidas para incluir uma orientação sexual e de identidade de gênero.
    
* Garantir a formação obrigatória para o pessoal da lei e do Ministério Público de modo a detectar, investigar e processar os crimes motivados, no todo ou em parte, por preconceito racial, étnico ou xenófobo.
    
* Recolher e publicar regularmente estatísticas completas sobre crimes de ódio.




link para a pagina da Wuman Rights Watch contendo o relatório original
http://www.hrw.org/en/news/2011/03/21/italy-act-swiftly-end-racist-violence?tr=y&auid=8014324