

Discutiram a forma de criá-la, porque os homens passados tinham saído imperfeitos.
Quatro animais deram-lhe sinal da existência das maçarocas de milho branco e milho amarelo. Estes animais foram: Yak, o Gato Montês; Utiw, o Coiote; Quel, a Pega, e Joi, o Corvo. Em Paxil e Cayalá encontraram o milho, muito milho branco e amarelo, e incontáveis anonas, ameixas, sapotas, nanças e outras espécies de frutas. Havia mel, pataxte e cacau por toda a parte.

Com o milho branco e amarelo, a avó Xmucané fez nove beberagens de cuja mistura saiu a carne e a gordura dos homens, e desta mistura foram feitos os seus braços e pés.
De milho foram formados, pelos Senhores Tepew e K’ucumatz, os nossos primeiros pais e mães.

Grande sabedoria foi a dos primeiros homens, viram tudo quanto no mundo havia e acabaram por tudo saber. Não pareceu bem aos Criadores que os homens soubessem tanto. O Coração do Céu lançou-lhes nos olhos o bafo da sua boca, para que só pudessem ver o que está perto.
Grande foi o deleite que sentiram quando acordaram e cada um viu uma mulher a seu lado. Eis os seus nomes:
A mulher de Balam Quitzé chamava-se Cajá Paluná, Água Parada que Cai do Alto.
A terceira chamava-se Tzununijá, Água de Colibris, mulher de Majucutai.
K’aquixajá, Água de Guacamaya, era o nome da mulher de Iqui Balam.
Aqueles quatro homens foram os nossos primeiros pais, e estes são os nomes das mulheres de onde nós, os Quichés, descendemos.
Muitos multiplicaram-se no Oriente, ainda no tempo das trevas, antes de brilhar o Sol e haver luz; os Senhores Ajawab oravam constantemente, erguendo as faces para o céu:
“Óh, Tu, Criador e Formador! Ouve-nos, olha-nos, não nos deixes, não nos desampares! Tu, Coração do Céu e da Terra! Dá-nos descendência para sempre! Quando amanhecer, dá-nos bons e desafogados caminhos, dá-nos paz quieta e tranquila, dá-nos vida digna e costumes e ser. Tu, Furacão, Chipi Caculiá, Raxá Caculiá, Tepew, T’ucumatz, que nos engendraste, nos fizeste vossos filhos!”
Balam Quitzé, Balam Ak’ab, Majucutai e Iqui Balam eram quem fazia estas preces e orações.



Apareceu a seguir o ídolo Awilix e levou-o Balam Ak’ab.
O terceiro foi o ídolo Jacawitz elevou-o Majucutai.
Nic’aj Tak’aj era o nome do ídolo levado por Iqui Balam.
Os Quichés, os de Tamub e os de Ylocab, que eram as três parcialidades quichés, acompanharam Tojil.
E então seguiram-nos todos os povos, os de Rabinal, os Cachiqueles, os de Tziquinajá, e também os que se chamam agora Yaqui.
Muitos, a gente negra e a gente branca, saíram da aldeia de Tulán; mudou-se-lhes a linguagem e começaram a falar línguas diferentes, de modo que não se entendiam.

Balam Quitzé e Balam Ak’ab pediram outra vez fogo a Tojil, e este, dando voltas e esfregando o caite (sandália) no chão, criou fogo de novo, e com isso Balam Quitzé e Balam Ak’ab, Majucutai e Iqui Balam se aqueceram e receberam muito consolo.

Houve um povo que não quis pedir o fogo, o dos Cachiqueles; protegidos pelo fumo, preferiram roubá-lo.

Furaram as orelhas e os cotovelos, trespassando-os com paus, e este sangue foi o sinal da sua gratidão para com os deuses.
Ao despedirem-se de Tulán, foi grande o seu pranto, velando a estrela que tinham por sinal do nascimento do Sol.

“Escondam-nos e ide-vos daqui, pois se aproxima o amanhecer”.
Os ídolos foram escondidos nos barrancos.
Estavam nesta confusão quando viram brilhar o luzeiro Icok’ij, Vénus, anúncio e guia do Sol; muito alvoroçados, queimaram pom (copal) que tinham trazido do Oriente.


Não houve animal que não se alegrasse, as aves abriram as asas e todos dirigiram o olhar para onde nasce o Sol.
Balam Quitzé, Balam Ak’ab, Majucutai e Iqui Balam, queimando copal e bailando, dirigiram-se para o lugar onde nasce o Sol, derramando lágrimas de contentamento.
Awilix e Jacawitz, ídolos de Tojil, transformaram-se depois em pedra.
Encontravam-se no cerro Jacawitz quando amanheceu. Começaram então a procurar as corças e as fêmeas dos pássaros para oferecê-las aos ídolos.
Os Sacrificadores ofereciam a Tojil o sangue da garganta dos animais, colocavam-na na boca do ídolo e a pedra falava.
Balam Quitzé, Balam Ak’ab, Majucutai e Iqui Balam desapareceram da vista dos povos; andavam pelos cerros com as mulheres, os filhos, as moscas, as vespas e favos de mel para comer, e não se soube onde estavam as suas moradas.

Nos altos cerros, ouviam-se os gritos dos linces, coiotes, jaguares, e pumas, os quais imitavam os Scrificadores, inspirando muito temor a todos os povos.


“Que quererá isto dizer das mortes do povo, esta coisa de estarem matando um a um?”
Já havia muitos homens mortos quando de repente deixaram de ver as pegadas.
“Onde estarão os adoradores e sacrificadores? Queremos seguir as suas pegadas”, diziam as tribos.
E começaram a seguir as pegadas dos adoradores e sacrificadores.



Os povos reuniram-se e discutiram sobre os que deviam fazer para vencer os sacrificadores, e a primeira coisa que determinaram foi conquistar a vontade de Tojil, Awilix e Jacawitz, que haviam sido vistos em forma de mancebos quando se banhavam no rio.


Foram as duas ao rio e cada uma estava nua, lavando na sua pedras, quando chegaram Tojil, Awilix e Jacawitz.
Envergonhadas, as donzelas disseram-lhes por que estavam ali, lavando, e Tojil, Awilix e Jacawitz ofereceram-lhes uma prenda para que demonstrassem aos Ajawab que os tinham visto.
“Pintai num pano de linho uma imagem à semelhança do que vós sois”.
Cada um deles tomou um pano: o primeiro foi Balam Quitzé, que pintou um jaguar; o segundo Ak’ab, que pintou uma águia; o terceiro Majucutai, que pintou vespas e moscardos.
As donzelas regressaram ao sítio onde estavam os Senhores e entregaram-lhes os panos em sinal de que tinham visto Tojil.
Os Senhores envergaram os panos e os que tinham pintados um jaguar e uma águia não lhes fizeram nada, mas as vespas e os moscardos picaram-nos. Irados, perguntaram às donzelas:
“Que panos são estes que nos trazeis? Como chegaram às vossas mãos, desavergonhadas?”

O povo das tribos, armado e adornado, e os Senhores carregados de gargantilhas e de prata, iam decididos a matá-los a todos. Chegaram ao sopé do cerro e ao anoitecer deitaram-se para dormir. Vieram Balam Quitzé, Balam Ak’ab, Majucutai e Iqui Balam e pelaram-lhes as barbas, arrancaram-lhes os olhos, tiraram-lhes os colares de prata e de esmeralda calchiuite que traziam ao pescoço.


Depois de consultar Tojil, Balam Quitzé, Balam Ak’ab, Majucutai e Iqui Balam puseram moscardos e vespas entre quatro cabaças e colocaram-nas em volta da aldeia.


Ao destapar as quatro cabaças, saíram moscardos e vespas em tal quantidade que pareciam fumo; carregando sobre toda a gente, foram-se direito aos olhos, às bocas, aos narizes, aos braços e às pernas, picando-os por toda a parte.
Fervia bicharada sobre os soldados.


Foi deste modo que os nossos primeiros pais submeteram os povos.
Balam Quitzé e os outros três, ao conhecer que era chegado o seu fim, puseram as suas coisas em ordem e despediram-se das mulheres e dos filhos.


Majucutai e Tzununijá só tiveram um filho, chamado Coajaw. Descendem dele os da Casa do Ajaw Quiché.
Estes três tiveram três filhos, mas Iqui Balam não teve filho algum.
Os Ajawab começaram a cantar, com um lamento muito terno. Canto e lamento chamaram-se Camacu, estando todos juntos aos despedir-se das mulheres e dos filhos.
Despediram-se deles, disseram-lhes:


“Escutai. Vamos partir para as vossas aldeias e não voltaremos. O Ajaw dos Veados, símbolo da despedida e desaparição, já se manifestou no céu. Chegaram ao fim os nossos dias. Cuidai das vossas casas e das vossas terras e voltai ao lugar de onde viemos.”
Deram-lhes umas vestes fechadas, cosidas as linhas, chamadas grandeza envolta, e disseram-lhes: “Isto deixamos em nossa memória e nisto consistirá a vossa grandeza e vosso senhorio”.
Assim falaram, desapareceram, e foi este o fim daqueles quatro Ajawab chamados os Venerados, que vieram do Oriente, do outro lado do mar.
Os filhos dos Ajawab casaram-se, tiveram descendência e, já velhos, cumpriram o mandato de seus pais e voltaram às paragens do Oriente, de onde tinham vindo.
O Ajaw que reinava no Oriente chamava-se Nacxit e o Senhor engrandeceu-os, conferindo-lhes os títulos dos seus Senhorios. Quando voltaram, manifestaram aos seus povos os despachos e oferendas que lhes tinha dado o Senhor Nacxit em sinal de Senhorio e Império.
No cerro Jacawitz, morreram as mulheres de Balam Quitzé, Balam Ak’ab, Majucutai e Iqui Balam.

Muito se multiplicaram os Ajawab, e por isso tiveram que procurar outras paragens onde habitar. Mudaram-se sucessivamente para outros quatro cerros e também aí se multiplicaram e casaram seus filhos e filhas, recebendo oferendas que lhes faziam em troca das suas filhas.


Mas o Ajaw Cotujá juntou gente e carregou sobre todos eles, sendo muitos poucos os que escaparam; os feitos prisioneiros foram sacrificados ao ídolo.
Foi este o princípio das guerras e contentas e o princípio dos sacrifícios de homens perante o ídolo.
Foi o tempo em que os quichés afirmaram o seu império porque tinham muitos Ajawab poderosos e os povos começaram a temê-los.



Este povos não foram ganhos com batalhas, mas com a grandeza dos Quichés e as maravilhas operadas pelos Ajawab, principalmente o Ajaw K’ucumatz, que sete dias subia ao céu, outros sete baixava ao inferno, outros sete se transformava em serpente, outros sete se transformava em águia, outros sete se transformava em jaguar, e outros sete se transformava em sangue coagulado.
Durante o reinado do Ajaw Quik’ab, da sexta geração, os povos revoltaram-se e guerrearam-no.
Mas Quik’ab venceu os de Rabinal, os Cachiqueles e a gente de Zaculew, ficando todos subjugados.

Nomearam capitães para comandar nas guerras travadas nas fronteiras e repartiram-se pelos montes.
Todos os inimigos capturados eram trazidos perante Ajaw Quik’ab e Cawizimaj, e com este exército se tornaram valentes guerreiros, muito destros no arco e na flecha. Assim pelejavam com mais ânimo.
A casa da divindade chamava-se Casa Grande de Tojil.

Não estavam ociosos os Senhores Ajawab; jejuavam muitas vezes pelos seus vassalos, praticavam abstinência com as mulheres e faziam muitas penitências e orações perante a divindade, prostrando-se diante dela enquanto queimavam o seu pom.
No tempo desses jejuns e penitências comiam algumas frutas como sapotas, mata-sãos e jocotes, sem provar tortilha. Treze jejuavam e onze mantinham-se em oração.
Grande era o jejum que faziam pelos seus vassalos em sinal do domínio que sobre eles exerciam. Oravam de dia e de noite, chorando e implorando o bem para os vassalos e para todo o Reino. Em todos estes dias não dormiam com as mulheres.

“Oxalá sejam bons os costumes dos que devem apoiar-te! Oh, Tu, Uc’ux Caj, Coração do Céu; Uc’ux Ulew, Coração da Terra! Oh, Tu, Envoltório da Glória e Majestade! Tu, Tojil, Awilix, Jacawitz, Ventre do Céu, Ventre da Terra! Oh, Tu, que és os Quatro Cantos do Mundo, faz com que haja Paz na tua Presença! Oh, Deus!”


Estas são as histórias do Quiché e do que ali se passou; escreveu-se agora tudo isto porque, embora havendo antigamente um livro onde estas coisas constavam, perdeu-se com tudo o que continha.
E assim se acabou o que diz respeito ao Reino de Quiché, chamado agora de Santa Cruz.