O que procuraram fazer primeiro foi a sua milpa, e assim falaram:
Tomando as enxadas, os machados e as estacas de semear, pediram à avó:
“Senhora, quando for meio-dia levai-nos comida”.
Ao chegar às paragens onde o milheiral ia ser plantado, desferiram uma machadada numa árvore e esta veio abaixo, arrastando na sua queda todas as outras árvores.
Ao golpear o chão com a enxada, a terra ia-se lavrando e cultivando. Era uma coisa de maravilhar ver as árvores tombar da montanha a uma só machadada e a terra lavrar-se a um só golpe de enxada.
Chamaram Xmucur, o pombo turquez, e disseram-lhe:
“Nossa avó virá trazer-nos de comer; quando ela chegar, canta, e assim nos avisarás para que tomemos a enxada e o machado”.A ave disse que sim.Os rapazes entretiveram-se a disparar badoques com as zarabatanas. Quando o pássaro cantou, um deles espalhou aparas de madeira sobre a cabeça, pegou no machado e fingiu que trabalhava.
A avó chegou e os rapazes comeram como se tivessem trabalhado muito. Depois regressaram a casa.
Quando voltaram à milpa no dia seguinte, constataram que todas as árvores estavam outra vez de pé, redivivas, e toda a terra estava por cultivar, como antes.
Aos golpes da enxada, toda a terra se cultivou de novo, e os rapazes disseram:
Armaram-se, dirigiram-se para a roça e, escondendo-se, ficaram de atalaia.
À meia-noite, juntaram-se todos os animais.
“Erguei-vos, árvores! Levantai-vos, trepadeiras!”, sussurraram.
Os animais grandes e pequenos moveram-se debaixo das árvores e foram-se aproximando do sítio onde Junaipu e Xbalamqué estavam escondidos. Um puma e um jaquar passaram em frente deles, mas não se deixaram apanhar.
Um veado e um coelho também passaram, e desta vez já os rapazes de afoitaram a capturá-los.
Junaipu e Xbalamqué agarraram pelas caudas que se quebraram e lhes ficaram nas mãos; por isso são pequenas as caudas do veado e do coelho.
Não conseguiram apanhar o lince, nem o coiote; tão-pouco puderam deitar a mão ao texugo e ao javali.
E os seus corações rebentavam de cólera.
Finalmente, passou-lhes ao alcance um rato saltitante. Lançaram-lhes a rede, chegaram-lhe fogo à cauda e, apertando-lhe o pescoço, preparavam-se para o estrangular (essa é a causa dos ratos terem os olhos esbugalhados e não possuírem pêlo na cauda). Disse-lhes o rato:
“Não me matem, que o vosso ofício não é fazer milpa. Devem saber que os bens dos vossos pais Jun Junaipu e Wukub Junaipu estão guardados no sótão da casa: são os instrumentos com que jogavam a bola. Agora dêem-me de comer”.
Como comida, os rapazes indicaram-lhe o milho, o feijão, o cacau e outros alimentos conservados nas casas.
Chegados a casa, com o rato escondido, pediram de comer e beber à mãe e à avó, que lhes serviram tortilhas com guisado de pimentos e tomates chamado chirmol.
Os rapazes esgotaram toda a água que o pote continha e disseram à avó:
“Muita sede temos. Ande, Senhora, traga mais água”.
A avó pegou no pote que Xan, o Mosquito, andava sobrevoando e dirigiu-se ao arroio. Ali, viu que havia um buraco no pote por onde escorria a água. Procurou tapá-lo, mas não conseguiu.
Mais tarde, os rapazes mandaram a mãe saber porque motivo a avó não chegava com a água.
Enquanto comiam, o rato subiu ao sótão e ao roer o cordel caíram os apetrechos de jogo. Os rapazes recolheram-nos e esconderam-nos.
Depois foram ao arroio onde se encontravam a mãe e a avó, taparam o buraco do pote e regressaram juntos a casa.
Muito alegres, os rapazes começaram a jogar a bola no recinto de jogo de seus pais. Os Ajawab de Xibalbá, Senhores do Inferno, ouviram o ruído das suas corridas e o bater da bola e mandaram os Ajawab Tucur, Senhores Tecolotes, seus mensageiros, chamá-los. A avó ficou encarregada de avisá-los. Aflita, a velha mandou um piolho comunicar a ordem aos netos. O piolho encontrou sentado no caminho Tamazul, o Sapo, que lhe perguntou:
“Levo um recado para os rapazes que estão a jogar a bola na praça, respondeu o piolho.
E disse-lhe o sapo: “Vejo que vais cansado e não podes correr. Olha como corro: se quiseres, posso engolir-te e levar-te”.
“Está bem”, concordou o piolho.
Já cansado de caminhar, Tamazul, o Sapo, encontrou Zaquicaz, a Cobra, que lhe perguntou:
“Onde vais, Tamazul?
Ao que o sapo respondeu: “Vou dar um recado e levo-o no meu ventre.”
“Vejo que estás cansado”, disse a cobra, “e não podes caminhar; vem cá, deixa-me engolir-te e vais ver como chegas depressa”.
Dito isto, a cobra engoliu o sapo. Desde então, a cobra tem os sapos por comida e sustento.
Ia correndo a cobra o seu caminho, quando já cansada, encontrou Wac, o Gavião, o qual a engoliu e a levou célere ao sítio onde estavam os rapazes.
Estavam os rapazes a jogar a bola quando a ave cantou e disse:
“Wac c’o, Wac c’o! Aqui está o gavião, aqui está o gavião!”
Os jovens pegaram na zarabatana e dispararam-lhe um bodocazo no olho. O pássaro caiu no chão e disse:
“Curem-me este olho que me vazaram e dar-vos-ei a mensagem que trago no meu ventre.”
Os rapazes curaram-lhe o olho com um pedacinho de borracha e o gavião vomitou a cobra.
“Diz a mensagem que trazes.”
“Tenho-a no meu ventre”, respondeu ela e vomitou o sapo.
Ordenaram ao sapo: “Diz lá a tua mensagem”.
“Trago-a aqui. No meu estômago”, disse Tamazul, o Sapo.
Queria vomitar, mas não conseguia lançar o piolho cá para fora, pelo que indignados os rapazes lhe deram um pontapé e lhe rasgaram a boca, ao tentar abri-la. É por isso que desde então os sapos têm as nalgas caídas e a boca rasgada. Por fim, conseguiram extrair o piolho que estava retido nos dentes do sapo e ordenaram-lhe:
“Anda lá, diz a tua mensagem!”
Finalmente, o piolho comunicou-lhes o aviso da avó, e depois os rapazes foram despedir-se dela e da mãe, plantaram canas no pátio da casa em sinal da sua existência e dirigiram-se para Xibalbá, o Inferno.
Vem daí o costume de plantar canas no pátio das casas.
Os rapazes levaram consigo as zarabatanas, tomaram o caminho de Xibalbá, o Inferno, e desceram rapidamente os degraus empinados. Atravessaram dois rios, um de matéria e outro de sangue, sem molhar os pés neles, mas passando sobre pontes formadas pelas zarabatanas. Chegaram à encruzilhada de quatro caminhos: um branco, outro negro, outro amarelo e outro verde.
Enviaram Xan, o Mosquito, averiguar-se do nome dos Ajawab de Xibalbá, Senhores do Inferno, dizendo-lhe:
“Vai e morde todos os Senhores sentados. Apartir de agora a tua comida será o sangue de todos que picares no teu caminho”.
Quando o mosquito os picou, todos os Ajawab revelaram os seus nomes, ao perguntar uns aos outros quem os tinha picado. Xan, o Mosquito, voltou e repetiu os nomes aos rapazes, os quais se dirigiram ao sítio onde se encontravam os Senhores.
A bem da verdade, deve dizer-se que Xan não era realmente um mosquito, mas um pêlo da cara de Junaipu. Este deu-lhe a forma de mosquito para que pudesse descobrir os nomes dos Senhores.
“Aos dois primeiros da fila não vos saudamos porque são bonecos de madeira e trapo, mas a vós sim: Jun Camé e Wukub Camé, Xiquiripat e Cuchumaquic, Ajalpui e Ajalk’aná, Ajalmez e Ajaltok’ob, Chamiabac e Chamialojom, Quicxic e Patan, Quicré e Quicrixcac. E tu, Solomán, que estás sentado num banco”.
Assim falaram, saudando-os a todos e nomeando-os pelos seus nomes, sem esquecer nenhum.
Os Ajawab não gostaram nada disto e convidaram-nos a sentar-se.
“Isso não”, recusaram os rapazes, “esse assento é de pedra fervente, não nos sentamos nela”.
“Bem”, resignaram-se os Senhores, “vão descansar na pousada”.
Por ordem dos Senhores, foram conduzidos à Casa Escura, onde lhes levaram dois ocotes e dois charutos e os avisaram que deviam mantê-los acesos toda a noite e devolvê-los inteiros pela manhã. Pegaram em duas penas da cauda de um papagaio guacamaio e puseram-nas nos ocotes; nas pontas dos charutos, colocaram dois pirilampos. Ocotes e charutos toda a noite pareciam que ardiam.
Os Senhores ficam muito admirados ao ver os charutos e os ocotes inteiros e convidaram os rapazes a jogar a bola. Primeiro jogaram com a cabeça de um puma, depois com a bola de cauchu de Junaipu e Xbalamqué.
“Tomem esses quatro vasos e amanhã tragam-nos cheios de flores”.
E levaram-nos à Casa das Navalhas de Chay, mas estas não lhes fizeram dano. Os rapazes tinham-lhe dito: “Em troca de não nos tocarem, podereis de futuro ferir todas das carnes do mundo”.
Chamaram os rapazes todas as formigas, que foram à horta, apanhando os guardiães distraídos, e colheram e trouxeram as flores.
“Os Senhores ordenaram que lhes levassem já as flores”.
Assim fizeram, oferecendo-lhes quatro vasos cheios de flores.
Os Ajawab chamaram os guardiães e ralharam-lhes por terem deixado colher as flores. Castigaram-nos, rasgando-lhes a boca.
Os Ajawab, os Senhores, jogaram um pouco a bola com os rapazes e combinaram prosseguir com o jogo no dia seguinte.
Naquela noite meteram-nos na Casa do Frio, mas os jovens amanheceram bons e sãos; fazendo uma fogueira com lenha, eles próprios deram luta ao frio gélido que reinava na casa.
Pela manhã, os guardiães vieram ver se já tinham morrido, e os Senhores desesperaram ao ver que não conseguiam vencê-los, cada vez mais maravilhados com os feitos de Junaipu e Xbalamqué.
Outra noite mandaram-nos para a Casa doa Jaguares, onde havia uma infinidade destes
animais.
“Não nos mordam”, ordenaram-lhes, “a vossa comida serão ossos”.
Lançaram-lhes uns ossos e os jaguares começaram a roê-los. Ouvindo isto, os guardas julagaram que os animais os tinham devorado, mas no dia seguinte encontraram-nos incólumes, o que deixou mais admirados ainda os Ajawab de Xibalbá, os Senhores do Inferno.
Outra noite meteram-nos na Casa do Fogo, mas este não lhes causou dano nenhum. Pelo contrário, na manhã seguinte estavam ainda mais formosos.
Junaipu e Xbalamqué meteram-se dentro das suas zarabatanas a dormir, e embora nuvens de morcegos voassem ao seu redor, não conseguiram morder-lhes. Junaipu quis ver se já tinha amanhecido e ao pôr a cabeça de fora para se certificar, Camalotz, o Morcego, cortou-lha, separando-a do corpo.
Os morcegos foram pôr a cabeça de Junaipu no pátio onde se jogava a bola.
Xbalamqué chamou o coati, o porco e todos os grandes e pequenos animais para que o ajudassem a salvar Junaipu e nenhum faltou à chamada.
O último a chegar foi Coc, a Tartaruga. Veio aos tombos, balanceando-se de um lado para o outro, caminhado com dificuldade. Xbalamqué pegou nela e desenhou-lhe na cabeça a cabeça de Junaipu, a qual, depois de feitos os olhos e a boca, ficou perfeita.
Tudo foi feito com muita sabedoria porque assim o dispôs Uc’ux Caj, o Coração do Céu.
Terminada a cabeça, colocaram-na no corpo de Junaipu e este pôde falar.
Enquanto estavam a fazer a cabeça de Junaipu e vendo que já clareava, mandaram C’uch, a aura, que escurecesse a manhã e ela fê-lo abrindo as asas. Embora quatro vezes tivesse amanhecido, quatro vezes as asas abertas da ave escureceram o dia.
Ainda hoje, quando a aura abre as asas de noite, considera-se o sinal de que vai amanhecer.
Posta a cabeça de Junaipu no pátio, os Senhores foram celebrar a derrota dos rapazes com um jogo de bola.
Xbalamqué bateu fortemente a bola que foi cair junto de um tomatal onde estava um coelho. Aconselhado por Xbalamqué, o coelho fugiu a correr e os Senhores foram atrás dele, julgando que era a bola.
O pátio ficou vazio e Xbalamqué pegou na cabeça de Junaipu e colocou-a sobre o corpo, trocando-a pela cabeça da tartaruga.
De regresso, era grande a admiração dos Senhores ao ver a prodigiosa metamorfose de Junaipu.
Junaipu e Xbalamqué passaram por todos estes castigos e em nenhum deles morreram, até que por fim os Senhores do Inferno fizeram uma grande fogueira numa fossa e chamaram-nos. Junaipu e Xbalamqué colocaram-se um à frente do outro e estendendo os braços, deixaram-se cair sobre o fogo.
Moeram-lhes os ossos e lançaram o pó resultante à corrente do rio, mas a água não o levou: ao ir ao fundo, o pó transformou-se em dois jovens formosos.
Os mancebos manifestaram-se várias vezes. Ao quinto dia, os do Inferno avistaram-nos sobre as águas, quais homens-peixe, embora os procurassem, não conseguiram achá-los.
Finalmente apareceram com traje de pobres, sujos e andrajosos, executando jogos e bailes como o do Pujuy, o Mocho, o do Cux, a Doninha, o do Iboy, o Tatu, o do Xtzul, a Centopeia, e o do Chitic, o Caminhante sobre Andas. Queimaram animais, pessoas ou outra coisa qualquer e voltava, a deixá-los sãos e em bom estado; também se despedaçavam e voltavam a reviver inteiros.
Os de Xibalbá ficaram muito admirados a ver semelhantes prodígios e levaram a notícia a Jun Camé e Wukub Camé, que despacharam mensageiros para que os rapazes fizessem os prodígios à sua frente.
Junaipu e Xbalamqué não queriam ir, mas os mensageiros obrigaram-nos a ir à força.
“Façam as vossas danças e jogos”, ordenaram-lhes os Ajawab de Xibalbá.
Iniciaram os bailes e os cantos, e todos os do Inferno queriam vê-los.
“Despedaçai este meu cão e voltai a ressuscitá-lo”.
Despedaçaram o animal, ressuscitaram-no e o cão agitava a cauda, muito contente por voltar a viver.
“Queimai esta minha casa”, ordenou outro dos Ajawab.
Os rapazes queimaram a casa com toda a gente lá dentro, mas ninguém se queimou e voltaram a deixá-la como estava antes.
“Eia”, disseram, “pegai num destes homens, despedaçai-o e ressuscitai-o”.
“Eia, agora despedaçai-vos a vós próprios”, mandaram os Ajawab.
Vendo estes prodígios, os Senhores pediram para ser despedaçados e ressuscitados. Os rapazes despedaçaram-nos, mas não voltaram a ressuscitá-los.
E assim foram vencidos os Ajawab de Xibalbá, Senhores do Inferno, por Junaipu e Xbalamqué.
Estas são as obras e façanhas de Junaipu e Xbalamqué, e esta foi a causa do pranto da avó diante das canas que deixaram semeadas, as quais secaram quando eles morreram e recuperaram o viço quando ressuscitaram. Muito se alegrou a avó quando viu as canas de novo viçosas e queimou resina copal junto à casa. Este costume perdurou desde então.
Junaipu e Xbalamqué, depois de terem vencido os Ajawab de Xibalbá, subiram ao Céu: um foi transformado em Sol e o outro em Lua. Também subiram ao Céu os quatrocentos jovens mortos por Zipacná, os quais foram transformados em estrelas.