Estava eu perdida em pesquisas, à procura de símbolos de porcelana, quando me deparei com este painel de azulejos, e decidi investigar um pouco mais sobre a história da Fábrica de Porcelana de Sacavém.
Após falecer Manuel Joaquim Afonso, fundador da fábrica, em 1871, (tendo já contratado um mestre inglês), a sua direcção fica a cargo do Barão John Stott Howorth, sua mulher e irmão, que consolidam a influência inglesa na importação de métodos, técnicas, modelos e matérias primas, vindos na sua maioria da região de Stoke-On-Trent, de forma a poder fabricar a louça ao gosto inglês. James Gilman introduz novos fornos em 1912, amplia a sua maquinaria e cria uma rede de caixeiros-viajantes e agentes locais para conquistar novos mercados. Herbert Gilman assume as rédeas da fábrica em 1920; Clive Gilbert entra nos assuntos da fábrica em 1960, coincidindo com a criação do último logotipo da fábrica, o S estilizado. Para além da belíssima loiça em porcelana, a fábrica produziu também azulejos, sanitários e mosaicos.
Práticamente toda a população de Sacavém trabalhava na fábrica, e muitos vinham de longe, das zonas rurais do Alentejo e da Beira, atraídos por um sonho de estabilidade e salário certo. Já em 1930 a fábrica contava com mais de mil operários, entre eles forneiros, prensadores, oleiros, aprendizes, gravadores, moldadores. O sistema de trabalho assentava em: subdivisão de tarefas, recrutamento e treino dos novos trabalhadores, disciplina no trabalho (os trabalhadores não estavam autorizados a mudar a seu gosto de uma tarefa para outra, eram treinados para uma tarefa específica e tinham de a cumprir). Havia todo um conjunto de normas disciplinadoras de trabalho, e um sistema de multas e penalizações por infrigimentos, assim como vigilantes e inspectores. O trabalho em si era mal remunerado, homens e mulheres trabalhavam separados, não haviam condições de segurança nem de higiene nas fábricas, não existiam máscaras, morria-se por silicose, e o calor imperava. Numa fase mais tardia, parte do salário era variável consoante as peças que se produziam, o que levava a que muitos operários abdicassem da hora do almoço para conseguir atingir os seus objectivos de produção.
O Estado Novo, através de Salazar, cria a FNAT (fundação nacional para a alegria no trabalho) em 1935, com o objectivo de controlar os tempos livres dos trabalhadores, preenchendo-os com actividades sadias que assegurassem o seu desenvolvimento físico e moral, adequadas à ideologia do regime, que seguia os modelos fascistas italiano e alemão, e repudiava os lazeres tradicionais, o desporto profissional e os bailes como irradiadores de devassidão. Sob a tutela deste órgão, a direcção cria uma série de gratificações e ajudas para o casamento, de forma a moralizar a instituíção familiar; criam um campo de férias; uma creche que funcionava somente para os filhos de pais oficialmente casados; um grupo desportivo; um grupo privativo de bombeiros. São acções que visam os bons costumes, e não o bem-estar ou a saúde.
Em 1941 é inaugurado um refeitório com capacidade para 500 operários; é criada também uma vacaria dentro da fábrica - mas num inquérito alimentar realizado por um órgão externo em 1949, conclui-se que a alimentação dos operários é insuficiente, especialmente entre os mais jovens e os que se dedicam às tarefas mais pesadas.
Existe um salário mínimo, criado em 1932, mas apenas para os trabalhadores do sexo masculino.
Em 1947 os trabalhadores que operavam nos fornos faziam ainda 16 horas diárias.
Numa entrevista dada em Loures, em 2017, o último administrador da fábrica, Clive Gilbert, afirma: “Ainda hoje não percebo como é que aqueles homens e mulheres faziam tanta coisa em tão pouco tempo. Para mim é um milagre”.
Durante as décadas de 70 e 80, as fábricas de cerâmica como a de Sacavém e a de Cavalinho, em Vila Nova de Gaia, entram em declínio. Em parte terá sido por causa da preferência do Regime pela Vista Alegre, mas principalmente deve-se ao surgimento do plástico e à sua grande proliferação. O milagre da exploração dos mais pobres, dos baixos salários e das grandes cargas laborais transfere-se para outros países do terceiro mundo.
fontes:
Wikipédia
Fábrica de Louça de Sacavém, Ana Paula Assunção, Edições Inapa
Fábrica Cerâmica do Carvalhinho - Hugo Pereira
Museu de Cerâmica de Sacavém - Câmara Municipal de Loures