31 de jan. de 2011

Desflorestação da Amazónia / Carteis da Soja / Biocombustíveis / Ayahuasca






A revolução protagonizada pela soja no Brasil pode ser comparada ao fenómeno ocorrido com a cana de açúcar no Brasil Colonial e do café no Brasil Imperial. O cultivo da soja ultrapassou a indústria madeireira como principal responsável pela destruição da Amazónia. É o que conclui, após um ano de pesquisas, o relatório «Comendo a Amazónia» da  Greenpeace. Segundo esse relatório, a expansão da soja deve-se à acção de três das maiores multinacionais do negócio agro-alimentar: Archer Daniels Midland (ADM), Bunge Corporation e Cargill. Elas são «o retrato de uma indústria vigorosa e devastadora, e inclui novas evidências da responsabilidade das empresas norte-americanas e do papel involuntário de consumidores europeus na destruição da floresta, na invasão de terras, violência e expulsão de comunidades locais e uso de trabalho escravo na Amazónia», denuncia o relatório. A McDonald’s também é citada no relatório  como colaboradora no processo de consumo da soja amazónica. «Estamos destruindo a maior floresta tropical do planeta para dar lugar à soja. Uma espécie exótica, que será transformada em ração para alimentar gado e frango na Europa», disse Paulo Adário, coordenador da campanha da Amazónia, do Greenpeace. «Depois, este gado e este frango será vendido no McDonald’s mais próximo e você pode estar comendo um pedaço da Amazónia», concluiu o activista.








A produção de biocombustíveis pode trazer consequências desastrosas para a segurança alimentar e para o ambiente. O biodiesel  é produzido com o óleo extraído dos grãos (soja, mamona, dendê, algodão, girassol ou palma); o óleo vegetal passa por um processo industrial para adquirir uma estrutura química semelhante à do óleo diesel (na usina, junta-se ao etanol, proveniente de cana-de-açúcar, ou metanol). O biodiesel é então misturado ao diesel de petróleo na proporção de 2% (em 2008) e de 5% (2013). Segundo Nicholas Burns, subsecretário de estado para Assuntos Políticos, a pesquisa e o desenvolvimento de biocombustíveis é o eixo de uma nova e forte parceria entre o Brasil e os EUA, cujo objetivo é criar um mercado global para o etanol e reduzir a dependência do petróleo. Bush lançou em 2007 um programa de energia para a redução de 20% no total do consumo da gasolina, e 75% dessa economia deverá vir do etanol. O Brasil conseguiu exportar 1,6 bilhão de litros de etanol para os EUA em 2006, seis vezes o total de 2005. Juntos, os EUA e o Brasil são responsáveis por cerca de 70% da produção global de etanol. Os EUA pretendem atingir a meta de 20% de combustíveis renováveis misturados à gasolina em 2017. A União Européia também aprovou um plano para utilizar pelo menos 10% de biocombustíveis nos transportes até 2020.
 





A ayahuasca é uma bebida sacramental produzida a partir da decocção de duas plantas nativas da floresta amazônica: o cipó Banisteriopsis caapi (caapi ou douradinho) folhas do arbusto Psychotria viridis (chacrona) que contém o princípio ativo dimetiltriptamina.  É utilizada pelos incas e também por pelo menos 72 tribos indígenas diferentes da Amazônia. É utilizada em paises como Peru, Equador, Colômbia, Bolívia e Brasil. O seu uso expandiu-se pela América do Sul e por outras partes do mundo com o crescimento de movimentos religiosos organizados, sendo os mais significativos o Santo Daime, A Barquinha, Natureza Divina e a União Vegetal. Segundo os relatos dos que a usam, a ayahuasca produz uma ampliação da percepção que faz com que se veja nitidamente a imaginação e acesse níveis psíquicos subconscientes e outras percepções da realidade, estando sempre consciente do que acontece. Num contexto religioso, tais fenômenos são atribuidos à clarividência, à projeção da consciência, ao acesso a registros etéricos (arquivos akáshicos) ou a contactos espirituais. Cientificamente, a propriedade psicoativa da ayahuasca deve-se à presença, nas folhas da chacrona, de uma substância alucinogéna denominada N,N-dimetiltriptamina (DMT), produzida naturalmente (em doses menores) no organismo humano. Rick Strassman trouxe-nos, através dos seus estudos, a teoria de que a glândula pineal seria o seu produtor no corpo humano. Segundo linhas tradicionais de uso, a ingestão dessa bebida pode provocar a absorção do “Espírito da Planta”. Usuários relatam, dentre outras sensações, ter os sentidos expandidos, os processos mentais e as emoções tornarem-se mais profundos. A experiência vivenciada pode mover-se em muitas dimensões: "o vôo da alma", uma sensação de partida do espírito do corpo físico e sensação de flutuar. A experiência pode em algum ponto revelar visões notáveis, insights, produzir catarses e consequentes experiências de renovação e de renascimento; visões arquetípicas, de animais, de espíritos elementais, de cenas de vidas passadas, de divindades etc. Abre-se o portal para outras formas de realidade. Nem todos têm visões na primeira vez que experimentam. O trabalho com ayahuasca é um processo que implica exame, dedicação, disciplina, perseverança e tempo para conseguir um benefício mais completo. Por vezes são necessárias várias sessões para se obter uma experiência válida. Uma vez iniciado o processo da renovação e transformação, estas continuam. O grande passo no trabalho com a ayahuasca é a assimilação dos ensinamentos espirituais e a prática na vida diária. À ayahuasca atribui-se a cura de males físicos, psicológicos, mentais e espirituais. Existem alguns estudos científicos preliminares sobre aplicações médicas e psicoterapêuticas. No Peru os xamãs evocam guardiães, protetores espirituais; evocam carcanas (escudos protetores) por meio de cânticos de poder (ícaros), fumo de tabaco, uma poção de limpeza (vomitiva), camalonga, e algumas águas perfumadas (água de Florida, flores de Kananga) que atraem os espíritos. A jornada com ayahuasca leva à exploração tanto deste mundo como de mundos paralelos, que estão além de nossa percepção. Podem ocorrer sensações de libertação dos limites normais de espaço-tempo.



links para documentários sobre a ayahuasca:
D'autres Mondes
DMT: The Spirit Molecule 
DMT Revelations Terence McKenna
Ayahuasca, The Sacred Vine
Jungle Trip Ayahuasca 



      



































23 de jan. de 2011

DJ Shadow feat Mos Def - Six Days







Six Days

At the starting of the week
At summit talks you'll hear them speak
It's only Monday
Negotiations breaking down
See those leaders start to frown
It's sword and gun day

Tomorrow never comes until it's too late

You could be sitting taking lunch
The news will hit you like a punch
It's only Tuesday
You never thought we'd go to war
After all the things we saw
It's April Fools' day

Tomorrow never comes until it's too late
Tomorrow never comes until it's too late

You hear a whistling overhead
Are you alive or are you dead?
It's only Thursday
You feel a shaking on the ground
A billion candles burn around
Is it your birthday?

Tomorrow never comes until it's too late
Tomorrow never comes until it's too late
Make tomorrow come I think it's too late




22 de jan. de 2011

Alegações de contrabando de material nuclear em Portugal, postas a nu pelo Wikileaks

Estava a dar uma olhada pelos últimos telegramas do Wikileaks e surgiu esta situação, é interessante que ninguém dos principais meios de comunicação tenha mencionado o caso; estes parecem estar mais interessados em mostrar-nos o circo mediático das campanhas eleitorais; isso ou a crise, todos os dias somos invadidos por mensagens de desespero! O caso já tinha sido abordado pelo "Jornal de Notícias" em 2008, e trata-se de um suposto ex-militar russo a viver em Portugal que contrabandeia material trazido de Chernobil; esse suposto militar estaria a ser auxiliado por um Juíz do Porto - agora que os Juízes se queixam do corte de salários, será que "cai mal" uma notícia destas? Também podemos especular se a comunicação social considera o Wikileaks como um mero site de hackers, posição que foi defendida por diversos comentadores por altura das revelações principais dos telegramas. De qualquer forma, é mais um exemplo da pobre qualidade jornalística do nosso país.

_________________________________________________________________________

VZCZCXYZ0012
PP RUEHWEB
 
DE RUEHLI #1808 2071344
ZNY SSSSS ZZH
P 251344Z JUL 08
FM AMEMBASSY LISBON
TO SECSTATE WASHDC PRIORITY 6948
S E C R E T LISBON 001808 
 
SIPDIS 
 
FOR STATE ISN/CTR, PM/ISO/PMAT (24/7), DS/IP/EUR 
 
EO 12958 DECL: 07/24/2018 
TAGS ASEC, KCRM, KNNP, MNUC, PARM, PO, PREL, PTER 
SUBJECT: ALLEGATION OF NUCLEAR MATERIAL SMUGGLING - PORTUGAL 
 
REF: A. 07 STATE 162091  B. HAYCRAFT/PMAT E-MAIL DATED 7/24/08
 
Classified By: Ambassador Thomas Stephenson, Reason 1.4 (c)(d)(f)
 
1. (S) Post wishes to alert the Department and Washington agencies per reftel that it received a 
report indicating a potential incident of illicit trafficking in nuclear and/or radiological materials. 
The report came to post’s attention via a walk-in. Information concerning this report was relayed via 
classified e-mail to PMAT at 2:04 PM on July 24, 2008.
 
2. (S) Details of the incident follow:
A) Current location of material: Material appears to be in Portugal. 
B) Transport status of material: Stationary 
C) Assessment of the likelihood that the appropriate authorities can/will secure the material: If and when
it is determined the material in fact exists, the Portuguese authorities will secure the material.
D) If in transit, means of transportation: NA 
E) Intended destination of material: Unknown, depends on buyer 
F) Routing of material: Unknown 
G) Supplier and/or Origination point of material: Walk-in claims the material is in the possession of an 
unidentified ex-Russian General now living in Portugal. The material was allegedly stolen from Chernobyl. 
H) Type of material: U235 
I) Date and time of incident: Reported July 24,2008, by walk-in 
J) Source of report: XXXXXXXXXXXX 
K) If an alarm, technical information: NA 
L) What if anything was being smuggled with the material: Unknown 
M) Specific place where alarm or incident occurred: The specific location of the alleged material is 
unknown.
N) Additional details: The walk-in stated he was approached two months ago by a part-time business associate named Orlando to help sell “Uranium plates” owned by an unidentified ex-Russian General living in Portugal. According to the walk-in, Orlando was working through an “old” Portuguese Judge living near Porto. As proof, the walk-in provided a color photocopy of a photograph, provided by Orlando, with what appeared to be a matte gray metallic brick placed before the front page of Portuguese newspaper Jornal de Noticias. The photocopy also contained the following handwritten notes: Sketch of a rectangle with the following dimensions: height 21 cm (left side), height 25 cm (right side), length 48 cm (top), length 51 cm (bottom). Thickness .31 cm. Total Peso (weight)=25.350kg; U2354 Kg; MTK 99.9951.  
(RSO NOTE: At this time, it is difficult to make an assessment of the credibility of the source. The walk-in was neatly dressed and well groomed and appeared calm, confident, and alert and responded quickly to questions, especially about his motivation (financial). His English was good. He did not hesitate in providing personal information regarding his home address (not verified) and points of contact. The walk-in was, however, unable to provide any identifiers on the ex-Russian General. The walk-in stated he is not on any medications and has not consulted any mental health specialists. The walk-in does not appear to be mentally unstable and actually appears to be believe the plates are in fact Uranium. END RSO NOTE)
 
3. (SBU) XXXXXXXXXXXX
Stephenson


link para uma página web contendo a tradução deste telegrama
http://www.esquerda.net/artigo/contrabando-de-material-nuclear

18 de jan. de 2011

Sincronicidade, e o exemplo de Pink Floyd, Dark Side of the Moon / The Wizard of Oz


Sincronicidade é o conceito usado por Jung para designar dois ou mais eventos que parecem ter uma correlação, sem que se encontre um nexo causal entre eles. É um princípio de conexões acausais. Na ocorrência de fenómenos sincronísticos, o tempo e o espaço são reduzidos a vectores secundários, não quantificáveis. Tais eventos são chamados de fenómenos da coincidência significativa. Jung dizia que os fenómenos da sincronicidade “mostram que o não-psíquico pode se comportar como o psíquico, e vice-versa, sem a presença de um nexo causal entre eles”. Os eventos ligados aos fenômenos da percepção extra-sensorial são considerados por Jung como sendo da sincronicidade. Eventos em sincronicidade são aqueles que ocorrem, simultaneamente ou não, sem um nexo entre os mesmos, sendo um interno e outro externo ao indivíduo que os percebe. Quando alguém tem consciência de que algo, em que tinha pensado ou percebido em si mesmo, sendo de seu exclusivo e íntimo conhecimento, se assemelha a um acontecimento externo ou com ele encontre uma correlação, sem que tenha havido para este último sua participação, estará diante de dois eventos em sincronicidade. A sincronicidade não nos leva à compreensão do que ocorre, pois é apenas uma palavra utilizada para identificar um fenómeno sem explicação plausível, ou que não obedece a uma causalidade conhecida. Um exemplo pode ilustrar melhor: alguém está a assistir a um filme num cinema e uma cena faz-lhe lembrar um episódio da sua infância, há muitos anos atrás, no qual brincava com um amigo que não vê desde aquela época, e, ao sair do cinema, encontra esse mesmo amigo. Ocorrências como essas podem trazer pistas sobre o significado da vida e sobre como a conduzir adequadamente. Os fenómenos da sincronicidade são muito comuns em todas as culturas e épocas da história humana. Ocorrem desde que o ser humano assumiu a consciência da sua existência como indivíduo. Uma vez por outra deparamo-nos com tais eventos, sem que os provoquemos ou possamos estabelecer a frequência com que ocorrem. Parece que a necessidade lógica de associar os fenómenos da natureza, de acordo com uma causalidade imediata, realizada pela consciência, obscureceu a percepção da sincronicidade como um evento natural. Mesmo sendo um evento natural, a sincronicidade pertence a uma dimensão supra-arquetípica, pois não se antevê qualquer possibilidade de intervenção causal da psique humana na sua produção. Pode-se até afirmar que para a sua ocorrência houve a participação do arquétipo do "Self", porém será sempre uma interferência improvável. Mesmo assim, permanece a suspeita da participação directa do inconsciente envolvido. Há pessoas que parecem atrair com maior frequência os fenómenos de sincronicidade. São como imãs psíquicos para que eventos externos coincidam com aspectos psíquicos internos. Essas pessoas recebem constantemente sinais de que a vida contém muito mais do que eventos causais; aspectos que são representações de processos psíquicos ainda não compreendidos. Isso é observado na maioria dos médiuns. Os fenómenos da sincronicidade parecem ocorrer em maior quantidade e intensidade com eles. Talvez eles tenham o inconsciente mais “aberto”, no qual serão suscetíveis de se exprimir com maior frequência. Quando um evento em sincronicidade é percebido por uma pessoa, esta deve, depois de tentar entender o que aconteceu, relevar a ocorrência do facto em si e ir em busca da compreensão do Universo sob outro paradigma além do material. Deve começar a compreender que a vida contempla aspectos espirituais importantes, nos quais deve investir. A sincronicidade é uma dimensão que extrapola os níveis causais conhecidos. Traz ao ego a necessidade de transcendência dos conteúdos da consciência, visando a compreensão de outra ordem de valores e possibilidades na vida.






 

link para leitura / download de algumas obras de Jung
http://www.esnips.com/web/livrosexoterismofilosofiapsicologia?docsPage=2#files

fonte do texto - Wikipedia

17 de jan. de 2011

Pablo Neruda - Ode à Solidão (com vídeo de Satie, Gymnopédie Nº 1)





Ode à Solidão

Ò solidão, formosa palavra,
ervas silvestres
brotam entre as tuas sílabas,
mas és somente uma pálida
palavra, ouro
falso
traidora moeda!
Eu descrevi a solidão
literariamente:
pus-lhe a gravata
tirada dos livros,
a camisa
do sonho,
mas só a conheci quando estava sozinho.
Alimária igual não vi nenhuma
como aquela:
parece-se à peluda aranha
e à mosca
das estrumeiras.
Mas tem nas suas patas de camelo
ventosas de cobra de água,
e exala um cheiro pestilento de adega
onde apodrecem através dos séculos
pardacentas peles de foca e ratazanas.
Solidão, eu não quero
que continues a mentir pela boca dos livros.
Chega o jovem poeta tenebroso
e para seduzir
assim a sonolenta senhorinha
arranja mármore negro e lhe levanta
uma pequena estátua
que esquecerá
na manhã do seu casamento.
Mas
na luz coada da primeira
idade encontramo-la
pensando que é uma deusa negra
trazida das ilhas,
brincamos com o seu torso e ofertamos-lhe
a pura reverencia da infância.
A solidão criadora
não existe.
Não está sozinha
a semente na terra.
Multidões de germes mantêm
o profundo concerto das vidas
e a água é apenas a mãe transparente
de um invisível coro submerso.
Solidão da terra
é o deserto. E estéril
como ele
é a solidão
do homem. As mesmas
horas, noites e dias
envolvem toda a terra
com o seu manto
mas não deixam nada no deserto.
A solidão não recebe sementes.

Não é apenas beleza
o que contém
o barco no oceano;
o seu voo de pombo sobre a água
é o produto
duma maravilhosa companhia
de fogo e bombeiros,
de estrela e navegantes,
de braços e bandeiras congregados,
de comuns amores e seus destinos.

A música procurou para expressar-se
a firmeza coral do oratório
e foi escrita
não somente por um homem
mas também por uma linha
de sonoros ascendentes.
E essa palavra
que aqui deixo suspensa do ramo,
esta canção que não procura
solidão nenhuma senão a tua boca,
para que a repitas
escreve-a o ar
junto de mim, as vidas
que antes de mim viveram.
E tu que lês a minha ode
contra a solidão a dirigiste
e assim as tuas próprias mãos a escreveram,
sem me conheceres, com as minhas mãos.



Pablo Neruda - Ode à Noite (com vídeo de Debussy, Clair de lune)





Ode à Noite

Por detrás
do dia,
de cada pedra e árvore,
por detrás de cada livro, noite,
galopas e laboras,
ou repousas,
aguardando
que as tuas raízes recolhidas
desatem a tua flor e a tua folhagem.
Como
uma bandeira,
ondulas no céu
até cobrires
os montes e os mares,
assim como os mais pequenos buracos.
Os olhos
duros do camponês depauperado,
o negro coral
das bocas humanas
afundadas no sono.
Sobre a corrente selvagem dos rios,
livre tu corres,
secretas veredas cobres, noite,
profundidade de constelados amores
pelos corpos nus,
crimes que se espalham
com um grito na sombra.
Entretanto os comboios
passam, os fogueiros
lançam carvão nocturno ao vermelho fogo,
o atarefado empregado de estatística
enfia-se no bosque
de folhas petrificadas,
o padeiro amassa a brancura.
A noite também dorme
como um cavalo cego.
Chove de norte a sul
sobre as grandes árvores da minha pátria,
sobre os telhados
de chapa ondulada,
soa
o canto da noite.
Chuva e escuridão são os metais
da espada que canta,
e estrelas ou jasmins
são sentinelas
da negra abóbada,
sinais
que pouco a pouco
com o arrastar dos séculos
entenderemos.
Noite, noite minha,
noite de todo o mundo,
tens algo dentro de ti, redondo
como um menino prestes a nascer, como uma
semente
que rebenta,
é o milagre,
é o dia.
És a mais bela
porque alimentas o teu escuro sangue
a papoila que nasce,
porque trabalhas de olhos fechados
para que olhos se abram,
para que a água cante,
para que as nossas vidas
ressuscitem.




16 de jan. de 2011

Pablo Neruda - Ode à Chuva (com vídeo de Ravel, Jeux d'eau)





Ode à Chuva

Voltou a chuva,
mas não veio do céu
ou do oeste,
voltou da minha infância.
A noite abriu-se, um trovão
comoveu-a, o estrondo
varreu as solidões,
e então
chegou a chuva
da minha infância,
primeiro numa rajada
raivosa,
depois como a cauda
molhada
dum planeta.
A chuva
tic tac mil vezes tic
tac mil
vezes um trenó,
uma vasta pancada
de escuras pétalas
na noite,
subitamente
intensa
crivando
a folhagem
com agulhas,
outras vezes
um manto
tempestuoso
tombando
no silêncio.
A chuva,
mar do céu,
rosa fresca
nua,
voz celeste,
violino negro,
formosura.
Amo-te
desde criança,
não por seres boa,
mas pela tua beleza.
Caminhei
com os sapatos rotos
enquanto os fios
do céu escancarado
se desatavam sobre
a minha cabeça,
traziam-nos
a mim e às raízes,
as mensagens
das alturas,
o húmido oxigénio,
a liberdade do bosque.
Conheço os teus desmandos,
o buraco
no telhado
gotejando
nos quartos
dos pobres.
Ali desmascaras a tua beleza,
és hostil
como uma celestial armadura,
como um punhal de vidro,
transparente.
Ali conheci-te de verdade,
no entanto continuei
apaixonado
por ti.
De noite
fechando os olhos
esperei que caísses
sobre o mundo,
esperei que cantasses
somente para o meu ouvido,
porque o meu coração guardava toda
a germinação terrestre
e é nele que se fundem os metais
e o trigo se levanta.
Amar-te, no entanto,
deixou-me na boca
um gosto amargo,
um amargo sabor de remorso.
De noite, aqui em Santiago,
somente as povoações
de Nueva Légua
se desmoronaram,
as vivendas
cogumelos,
amontoados
fragmentos de ignomínia.
Ao peso da tua cólera
desmantelaram-se,
as crianças;
choraram na lama,
as camas encharcadas
dias e dias,
as cadeiras quebradas,
as mulheres,
o lume, as cozinhas,
enquanto tu,
 negra chuva,
inimiga
caias desalmadamente
sobre a nossa miséria.
Eu creio
que um dia,
que marcaremos no calendário,
terão abrigo seguro,
sólido tecto,
os homens no seu sono,
todos
os adormecidos.
 E quando de noite
a chuva
regressar
da minha infância
cantará nos ouvidos
doutras crianças
e alegre
será o canto
da chuva no mundo,
 trabalhadora,
proletária,
ocupadíssima,
fertilizando montes
e planícies,
dando força
 aos rios,
engalanando
o suave arroio
perdido na montanha,
trabalhando
no gelo
das nevadas,
correndo sobre o lombo
do gado,
engrandecendo o germe
primaveril do trigo,
lavando as amêndoas
ocultas,
trabalhando
denodadamente
e com delicadeza fugidia,
com mãos e com fios
na preparação da terra.
Chuva
passada,
ó triste
chuva
de Loncoche e Temuco,
canta,
canta,
canta sobre os telhados
e as folhas,
canta no vento frio,
canta em meu coração, na minha confiança,
no meu telhado, em minhas veias,
na minha vida,
eu não te receio,
resvala
para a terra
cantando com o teu canto
e com o meu
porque os dois temos
trabalhado nas sementes
e partilhamos
o dever cantando.