Abelha da Orquídea |
ABRACADABRA - Palavra de virtude, disposta triangularmente. Quintus Serenus Sammonicus (séc. II) foi quem, pela primeira vez, a mencionou como fórmula de amuleto. Alguns autores sustentam que se trata de corruptela do termo gnóstico abraxas (proteja-me), outros que deriva do aramaico ha brachah dabarah(proferi a benção!). Como amuleto, inscrita num pergaminho usado ao pescoço, era recomendada na profilaxia e cura de todo o género de maleitas, designadamente das febres. Citada no processo de Diogo Lopes, de Estremoz (1675) [ANTT: Inq. Évora, proc. 7415, maço 768]. Brás Luís de Abreu condena a utilização da palavra abracadabra por «médicos feiticeiros e feiticeiras, curandeiros e curandeiras, com ofensa de Deus, com injúria da Fé e com perdição da própria alma». Para o vulgo significa expressão confusa, ininteligível. Esta palavra de virtude ocorre numa miscelânea dos séculos XVII/XVIII [BN: cod. 589], acompanhada da seguinte legenda: «Estas palavras postas ao pescoço em louvor das onze mil virgens e rezar no próprio dia em que puser onze Ave Marias: […]. Dizem que tem virtude para tirar febres e que tem feito muitos maravilhosos efeitos. Deu-os um Padre de São Francisco de Lisboa a um amigo ao qual um hebraico os trasladou em letras latinas, porque elas na sua origem são hebraicas». O franciscano Frei Rafael da Purificação, da Província de Santo António do Brasil aconselha a zombar da palavra Abracadabra, surpreendendo-o que «homens muito sábios gastassem superfluamente o tempo em descobrir a origem» dela).
ABRAÇO - Em sonhos, um abraço prenuncia encontro com traições, quando entre amigos e parentes, e viagem num futuro próximo, quando é dado a pessoa desconhecida.
ABUTRE - No Egipto, quando representado nos seus combates e triunfos, era protector dos faraós, sendo-lhe atribuída a honra suprema de transportar os selos divinos nas garras. Constituía ainda emblema da maternidade e da abnegação paterna e materna, porquanto se acreditava que alimentava a prole do seu próprio corpo, fábula que seria adaptada ao pelicano durante o séc. XV, tornando-o emblema eucarístico. Plínio faz-se eco da tradição segundo a qual o abutre era considerado como um dos mais temíveis inimigos das serpentes perigosas. Os autores clássicos referem também que a cabeça do abutre encerrava um amuleto poderoso: a pedra quadrado (quadratus, quadros ou quarridos), a qual garantia a felicidade a quem detivesse uma. Segundo uma cantiga do trovador Estêvão Coelho, comer carne de abutre confere o dom de adivinhar: «Sedia la fremosa seu sirgo torcendo, / sa voz manselinha fremoso dizendo / cantigas d’amigo. / Sedia la fremosa seu sirgo lavrando / sa voz manseluinha fremoso cantando / cantigas d’ amigo. / – Par Deus de cruz, dona, sei eu que avedes / amor mui coitado, que tan ben dizedes / cantigas d’ amigo. / Par Deus de cruz, dona sei [eu] que andades / d’ amor mui coitada que tan ben cantades / cantigas d’ amigo. / – Avuitor comestes, que adevinhades». A crença ainda hoje perdura com a diferença que, em vez da carne de abutre, se atribui a mesma propriedade à do mocho. O Thesaurus Pauperum de Pedro Hispano consigna a fórmula de um remédio imundo para clarificar a vista: fel de abutre misturado com excrementos humanos em vinho, bem coado. Santo António vê no abutre o invejoso, imagem do «prelado da Igreja que, impedido pelos bens temporais, não pode voar das coisas terrenas às celestes»
tholos |
ACÚSTICA - Muitas culturas arcaicas atribuem significado sobrenatural ao som, pelo que não será dispiciendo especular que rochas, abrigos, grutas, antas, tholoi e vales, mercê das litofonias (zumbido, absorção, ressonância, reverberação ou eco) que geram, possam ter sido considerados sagrados e por tal motivo pintados e gravados com imagens evocadoras de tais sons, autênticas «assinaturas vibratórias» dos sítios que as repercutem. O carácter oracular dos sons supostamente emanados das rochas gravadas e pintadas («pedras que falam»), outrora, decerto, entendidas pelos xamãs como palcos rituais ou cerimoniais para o contacto com o além, constituíriam como que as vozes dos espíritos aí figurados, no limiar de dois mundos. Em muitos casos, as propriedades do som poderão mesmo ter determinado a eleição dos locais de concentração de arte rupestre e da hierarquização dos temas e sintaxe adoptados. É, por conseguinte, conveniente preservar intocadas as paisagens que integram sítios congéneres, de molde a não causar um impacto negativo na qualidade das respectivas características acústicas. É um dado consensual o vasto conhecimento matemático, dos ciclos do tempo e do universo, globalmente entendido, detido pelos povos arcaicos. Quanto à sua enorme competência em matéria de acústica e de controlo do potencial sonoro e vibratório, pesquisas em curso, incidindo sobre as configurações e proporções dos seus santuários (sejam recintos fechados ou a céu aberto), apontam para a circunstância de se estar perante uma autêntica «arquitectura sónica». Com efeito, de acordo com os registos realizados no decurso das pesquisas arqueoacústicas empreendidas por Steven Waller, Iégor Reznikoff e Michel Dauvois (em grutas francesas), Paul Devereux, David Keating e Aaron Watson (em megálitos da Irlanda, Escócia Cornualha e Gales), os sítios detentores de arte rupestre são amplificadores sonoros vocais ou instrumentais. Além do design, também os materiais pétreos eram cuidadosamente seleccionados de forma a potenciarem certas frequências (mormente as ultra-sónicas) susceptíveis de induzir estados alterados de consciência e transe. Outra das constatações já realizadas sugere que a organização espacial interna de dólmenes e monumentos de falsa cúpula (tholos) é propícia à geração do fenómeno acústico denominado Ressonância de Helmholtz (a mais baixa frequência de ressonância susceptível de ser obtida), se forem percutidos tambores à entrada ou no interior da câmara, sabido que o ritmo da batida terá de ser proporcional à dimensão desta. Um som cavo idêntico é produzido quando se sopra para o interior de uma garrafa vazia, segundo o ângulo e a intensidade adequados, de molde a provocar a compressão periódica do ar aí contido. Muitos arqueosítios terão sido afinadosde forma a gerarem frequências de 4 hertz, que podem ser produzidas por um ritmo de quatro batidas por segundo, ou de 2 hertz, de duas batidas por segundo. É evidente que tais constatações são aplicáveis a inúmeros monumentos portugueses.
ÁGUIA - No mundo helénico, tal como no latino, foi identificada com o sol, mensageiro de Zeus ou Júpiter que a tomou como insígnia e a colocou no céu, onde é uma das constelações, porque em vésperas de uma batalha, quando oferecia sacrifícios, teve a visão de uma águia a fornecer-lhe os raios com os quais fulminava os inimigos. Participa, por essa razão, em grande número de mitos, sendo considerada a ave dos deuses e a rainha das aves. Nos Salmos (CII, 78 e CIII, 2 e 5) alude à renovação espiritual simbolizada pela rejuvenescimento primaveril da sua plumagem. No Deuteronómio (XXXII, 9-13), a propósito da saída do hebreus do Egipto e da sua libertação do jugo do faraó, Javé é comparado à águia que incita a sua ninhada a abandonar o ninho. Em Ezequiel (I, 10-11), os Quatro Viventes, detentores de quatro rostos cada um, possuem um de águia que parece estar em harmonia com os seus corpos alados. No Apocalipse (IV, 7), o Quarto Vivente é uma águia em pleno voo. Leite de Vasconcelos descreve uma pedra encontrada na localidade de Assento (Vale de Nogueira, Vila Real), e que se supõe ter pertencido a uma fonte, na qual se lê a inscrição RENOVABITUR UT AQUILAE JUVENTUS TUA IN FONTE [Nesta fonte se renovará a tua mocidade como a da águia], inspirada no Salmo, CIII, 5 (ao qual foi acrescentada a expressão IN FONTE), no passo interpretado por Santo Ambrósio como significando a graça do baptismo: assim como a águia renova as penas e alcança idade provecta, assim a alma pode libertar-se do pecado e rejuvenescer graças ao baptismo. Também Isaías, XL, 30-31: «Os adolescentes cansam-se, fatigam-se e os jovens robustos podem vacilar, mas aqueles que confiam no Senhor renovam as suas forças; têm asas como a águia e voam velozmente, sem se cansar e correm sem desfalecer». O cristianismo converteu-a em símbolo de Deus Pai e de Cristo. No primeiro caso porque encarna a força e a soberania toda poderosa de Deus, enquanto, concomitantemente, simboliza Cristo em três dos seus mistérios: Baptismo (Salmo, CIII, 5); Ascensão (Voa mais alto que qualquer outra ave, fitando o Sol sem pestanejar, constituindo-se por esse motivo, como símbolo da Ressurreição); Juízo Final (Honório de Autun afirma no Speculum Ecclesiaeque a águia leva os filhos até ao alto, expondo-os aos raios do Sol: aqueles que o fitarem sem pestanejar consideraos seus, aos outros repudia-os, alusão à separação entre eleitos e condenados). Mas o cristianismo descobre ainda na sua imagem a visão de Deus e a do homem que se eleva para Ele pela oração, fazendo da águia atributo de São João: o seu Evangelho inicia-se com o reconhecimento tácito do Logos-Luz, cuja divindade promulga. Para Santo António significa o varão justo: «De facto, a águia é de vista agudíssima e quando o bico, por causa da demasiada velhice, começa a engrossar, aguça-o contra uma pedra e desta forma rejuvenesce. Assim o homem justo, com a agudeza da contemplação fita o esplendor do verdadeiro sol e se alguma vez o seu bico, isto é, o afecto do entendimento, começa a engrossar com qualquer pecado, de modo que não pode apanhar o costumado alimento da doçura interior, imediatamente o aguça na pedra da confissão e, desta maneira, rejuvenesce com a juventude da graça» (Obras Completas, v. 1, p. 55). Acrescenta, ainda, que a águia põe três ovos (amor de Deus, do próximo e do mundo), lançando fora o terceiro (o amor do mundo), a fim de alimentar convenientemente os dois primeiros, como convém ao justo (idem, v. 3, p. 332). Na abadia de Santa Maria de Cós (Alcobaça) uma águia de asas estendidas, símbolo da providência Divina (Santo António diria que as duas asas são a contrição e a confissão), proteje os fiéis, figurados por um conjunto de cabeças; a legenda Sub tuum praesidium confugimus Sancta Dei genitrix remete para a antífona dedicada à Virgem cantada antes do ofício de Laudes no rito cisterciense. Ocorre seis vezes nos braços do cadeiral do coro de Santa Cruz de Coimbra. Em Cataldo Parísio Sículo, águia (aquila) é qualificativo laudatório aplicado à cidade de Santarém, que das alturas domina a planície como a ave de Júpiter, e igualmente a Dom João II (cf. tese de mestrado de Ema Rodrigues Bacelar, O Livro II do poema Águia de Cataldo Sículo, Coimbra, Fac. Letras, 1986). Já para Francisco de Holanda águias são aqueles artistas «sobrepujadores dos outros todos e como penetradores das nuvens e da luz do Sol» (Diálogos de Roma). Segundo Alberto Magno, enquanto cria os filhos, a águia transporta para o ninho a pedra águia, a qual, tem cor castanha e dentro dela possui outra que se ouve quando é chocalhada, razão por que também lhe chamam pedra prenhe. Na opinião de Jerónimo Cortez, «obra muito nos partos das mulheres, atando-a na perna por baixo da virilha». Acrescenta ainda o mesmo autor que, moída e bebida, é eficaz contra toda a peçonha, desfazendo opilações, curando quartãs e terçãs e, se bebida com vinho, mata lombrigas. Numa pilastra «visigótica» (séc. VII) do Museu Arqueológico de Sines observa-se uma águia com uma lebre nas garras. Uma águia foi instrumento divino, salvando os habitantes de Celorico ao lançar alimentos sobre o castelo sitiado pelo conde de Bolonha (Crónica
ÁGUIA BICÉFALA - Ave fabulosa, que fita oriente e ocidente (a totalidade do universo), concomitantemente. Distintivo heráldico dos imperadores de Bizâncio e de Carlos V. Ocorre em, pelo menos, sete brasões nacionais, desde finais do séc. XIII a finais de oitocentos: túmulo de D. Vataça (dama da Rainha Santa Isabel); túmulo de Dom Tibúrcio (bispo de Coimbra em tempos de Afonso III); Luís Álvares de Aveiro; Bocarros, de Beja; Godolfins; Temudos e Freitas; Miguel Ephrussi. Os carmelitas também usaram este símbolo, como se comprova pelos canudos de farmácia provenientes de conventos da sua Ordem. Alguns Areópagos do Rito Escocês Antigo e Aceite (REAA) adoptam águias bicéfalas (de Lagash), coroadas, com punhal nas garras, nas jóias dos graus 31º (Grande Inspector Inquisidor Comendador), 32º (Sublime Príncipe do Real Segredo) e 33º (Soberano Grande Inspector Geral).
ALEISTER CROWLEY - Pseudónimo de Edward Alexander Crowley (1875-1947). Mago, ocultista, mestre de xadrez, alpinista, poeta, novelista, etc., foi uma das mais polémicas personalidades do seu tempo, a quem têm sido creditados, porventura abusivamente, grandes prodígios e poderes taumatúrgicos, assim como ascendente sobre inúmeros artistas e músicos, intelectuais e até políticos. Educado de acordo com os preceitos morais (austeridade de costumes, crença no senido literal das Sagradas Escrituras) da seita protestante dos Irmãos de Plymouth(auto-intulados a única «ordem verdadeiramente cristã»), contra os quais se rebelaria aos 19 anos, ao ponto de sua mãe o comparar à Besta do Apocalipse. Aos 23 (1898), após ter lido The Book of Black Magic de A. E. Waite, ingressou na Hermetic Order of the Golden Dawn, onde adoptaria o nome de Perdurabo (Persistirei até ao fim). Mais tarde havia de filiar-se na Ordo Templi Orientis, fundada por Karl Keller, em 1902. No ano de 1905 funda a sua própria organização, a Astrum Argenteum (A.A.), à qual se consagraria o resto da vida, redigindo rituais (a maioria em verso), instruções e orientações para os seus discípulos. Fundador da revista The Equinox (1909-1944), órgão oficial da Estrela Argêntea (A.A.). No decurso das suas diversas ocupações, nomeadamente como agente secreto do Intelligence Service, adoptou os pseudónimos de Conde Vladimir Svareff, Master Therion, Príncipe Chioa Kha, Guru Shri Paramahansa Shivaji, Baphomet, etc. Inspirado por Rabelais, fundou na Sicília, no ano de 1920, a Abadia de Thelema, extinta em Abril de 1923 por ordem de Mussolini. Em 1924, no Cairo, manifestou-se-lhe um espírito, denominado Aiwass, que lhe terá ditado The Book of the Law (ou Liber Legis), um evangelho universal no qual é profetizado o advento de uma nova Era de que ele próprio seria o arauto (Aeon de Horus), motivo por que se vangloriava de poder ser identificado com a Besta do Apocalipse. Diversos ficcionistas fizeram dele o protagonista de novelas e romances: Oliver Haddo de Somerset Maugham (The Magician, trad. port. Livros do Brasil); Cefalú de Lawrence Durrell; o Mago de John Fowles; Karswell de M. R. James (Casting the Runes); Hugo Astleyde Dion Fortune (Winged Bull); Caradoc Cunnighamde Colin Wilson (Man Without a Shadow); etc. A generalidade de tais personalidades literárias havia de contribuir para a péssima fama de Crowley, no que seriam secundadas por James Douglas (in Sunday Express, 26 Nov. 1922) e Dennis Wheatley (The Devil rides out e To the Devil, a daughter). Fernando Pessoa traduziu-lhe o Hino a Pã (in Presença, n. 33, Jul.-Out. 1931, p. 11), cantado no funeral do autor em Hastings (Richard Cavendish, The Black arts). Deslocou-se a Portugal, de 2 a 25 de Setembro de 1930, para expressamente conhecer Fernando Pessoa, após este ter comunicado (carta de 4 de Dezembro de 1929) um erro detectado no horóscopo de Crowley publicado pela imprensa londrina. Gaspar Simões conta que o poeta da Mensagem terá ficado bastante apreensivo com a visita anunciada, ao ponto de o mago lhe haver atribuído o súbito nevoeiro surgido na Mancha quando navegava com destino a Lisboa. Pessoa e Augusto Ferreira Gomes foram cúmplices do alegado desaparecimento misterioso de Crowley na Boca do Inferno. Na biblioteca de Fernando Pessoa constava a obra intitulada: The confessions of Aleister Crowley: the spirit of solitude an autohagiography subquently re-antichristened (Londres, 1929, 2 vols.). Numa carta endereçada em Janeiro de 1936 a Gerald Hamilton, em vésperas da visita deste a Lisboa (Pessoa falecera em Novembro do ano anterior), Crowley recomendou-lhe «Don Fernando Pessoa a really good poet», acrescentando adiante: «It is about the most remarkable literary phenomena in my experience».
AMAZONA - Também almazona, almajonaou, alamoa. O mito das amazonas existe em todos os continentes, mas, salvo ligeiras variantes tópicas, corresponde ao arquétipo consagrado: uma sociedade matriarcal com governo próprio, na qual os homens ora servem como escravos, ora apenas são admitidos uma vez ao ano. Seja como for, tais mulheres são consideradas muito grandes e nutridas. Alimentam os filhos lançando os seios para trás das costas (Maia, Minho, Beira Alta). Paulo Orósio dedica dois trechos da sua História às amazonas: situando o reino destas junto ao Mar Cáspio (liv. 1, cap. 2) e elencando as referências e explicações sobre a origem delas (liv. 15, cap. I). Os rumores acerca de tribos de mulheres belicosas e varonis no Novo Mundo (América), deixaram de o ser no dia 24 de Junho de 1542, quando o conquistador espanhol Francisco de Orellana, que fazia o reconhecimento do «rio-mar» (depois, justamente baptizado de Amazonas), foi surpreendido por índios comandados por mulheres «muito altas e brancas e com cabelos compridos entrançados em volta da cabeça» (Gaspar de Carvajal, Relación del Nuevo Descubrimiento del Famoso Rio Grande). Em 1587, Gabriel Soares de Sousa informa que os ubirajaras se batiam sempre, por um lado, com os amoipiras «e, pelo outro, com umas mulheres, que dizem ter uma só teta, que pelejam com arco e flecha e se governam e regem sem maridos, como se diz das amazonas, das quais não podemos alcançar mais informações nem da vida e costumes destas mulheres» (Tratado Descriptivo do Brasil em 1587). Exploradores posteriores (Walter Raleigh, Cristóbal de Acuña, Condamine, etc.) haviam de ser informados da existência de um reino de mulheres guerreiras e sem marido, tendo presumido diversas localizações para ele. Contudo, como testemunho algum credível foi registado, o mito acabaria por vingar, consagrando definitivamente a iconografia da alegoria da América. Cataldo Sículo chamou Pantisileia (i.e., rainha das amazonas) à Rainha D. Leonor, num epigrama (Américo da Costa Ramalho e Maria Margarida Brandão Gomes da Silva, Cataldo Parísio Sículo: duas Orações, Coimbra, 1974) e numa carta, onde a compara à Marquesa de Vila Real. No bosque de Vila Viçosa existe a Gruta das Amazonas.
AZUL - Cor espiritual e de Deus (Êxodo e Ezequiel, que descrevem o trono de Deus talhado numa safira) e da sua morada celeste (azul do céu). Simboliza realeza, nobreza (sangue azul), ventura (ouro sobre azul) e o princípio feminino ou aquático (azul marinho). Segundo os códigos heráldicos o azul denota zelo, claridade e lealdade. Entre as flores, o miosótis (azul), também denominado «não me esqueças», é emblemático dos namorados, os quais vêem nele persistência e saudade. Anéis com uma opala engastada são amuleto de apaixonados e ambiciosos. Bluteau (Pedras preciosas) menciona a safira como detentora da virtude de proteger o coração. Três contas azuis postas ao pescoço de uma criança fazem que lhe nasçam os dentes sem sofrimento (Santa Eulália de Fermentões, Guimarães). Em Lisboa, diz-se: «olho azul em portuguesa é erro da natureza», enquanto em Idanha-a-Nova os olhos azuis são lisonjeiros, desleais e prejuros (olho). Na tintura dos tecidos (serguilhas, riscadinhas, lenços e panos de Alcobaça) foi, outrora, muito aplicado o azul de cochonila (Gil Vicente, Farsa dos Almocreves), tão do agrado dos liberais de 1820 que usavam lenços dessa cor, ali fabricados, pendentes dos bolsos das casacas de briche. De resto, os liberais haviam de associar a cor azul ao pavilhão nacional (exclusivamente branco, até então), bipartindo-o para se distinguirem dos usurpadores absolutistas. Vestir uma peça de roupa azul durante a passagem do ano favorece a realização de desejos íntimos. Portugal detém a prerrogativa exclusiva de usar paramentos de cor azul na festa da Imaculada (8 de Dezembro). As faixas azuis que, noutros tempos, emolduravam as casas populares desde Lisboa a Torres Vedras, possuíam função antiséptica, porventura a mesma que competia aos lambris e silhares de azulejo da arquitectura das classes mais abastadas. Expressões: Ver-se azul (= passar momentos atribulados = ver-se em calças pardas; ver-se em assados; ver-se em maus lençóis; mau quarto de hora); ouro sobre azul (= estrelas douradas sobre o céu azul = noite calma = vida venturosa). Quintilha: «Ó Malhão, Malhão, / Ó Malhão do Sul! / Quando o mar ‘stá bravo, / Ó Malhão, Malhão / Faz a onda azul» (Póvoa de Varzim). O azul é adoptado pela maçonaria em diversas circunstâncias, a saber, entre outras: paredes das lojas do Rito Francês; 2º degrau da escada do ritual do 2º grau (Companheiro); aventais do 3º grau (Mestre), quer no Rito Francês (RF), quer no Rito Simbólico (RS); nas abóbadas dos templos do Rito Escocês Antigo e Aceite (REAA), etc.
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